As fronteiras e a Geopolítica

“A fronteira atual de um Estado é sempre o resultado de uma fase de sua evolução” (Georg Supan – Geógrafo alemão)

 

A noção e o conceito do que atualmente chamamos de   fronteira evoluiu ao longo do tempo. Os povos primitivos não possuiam essa noção e o que os separava eram grandes vazios inabitados. Entre as grandes civilizações que coexistiram na Antiguidade, como é o caso da egípcia e a babilônica, existiam áreas geográficas completamente vazias, que não eram objeto de disputa entre elas, por localizaram-se em áreas periféricas e sem nenhum tipo de atrativo estratégico.

Geopolítica das fronteiras
Fronteiras e Geopolítica

Durante o Império de Carlos Magno entre os séculos VIII e IX surgiram as chamadas “marcas carolíngeas”, que se constituiam em fortalezas estabelecidas em pontos de passagem obrigatória nas vias de acesso que incidiam na Europa Ocidental. Essas fortalezas  tinham por finalidade proporcionar proteção contra as invasões dos povos bárbaros. O surgimento do conceito de uma “linha fronteiriça” surgiu no século XII, quando uma comissão de ingleses e escoceses tentaram estabelecer o limite entre os seus reinos. Curioso é que, as discordâncias e os pontos de litígios foram tão grandes que a comissão não conseguiu chegar a um acordo definitivo sobre o tema.

O conceito de fronteira, como elemento delimitador do que é o “interior” e o “exterior” de um Estado, isto é, a porção do espaço geográfico onde esse Estado exerce a sua soberania, só veio a consolidar-se a partir da chamada Paz de Vestifália (1648), após o término da  chamada Guerra dos Trinta Anos, que teve o envolvimento de vários países europeus.

Para se estabelecer os limites entre os Estados, a busca por se encontrar uma linha nítida se constituia em uma preocupação constante. Assim, inicialmente buscava-se a delimitação entre as nações em acidentes naturais do terreno, tais como rios, lagos, ilhas e   cadeias de montanhas. No entanto, isso nem sempre se mostrava possível ou viável e, dessa forma, muitas fronteiras foram traçadas nas chamadas “linhas de prancheta”, baseadas em outros critérios que não somente os geográficos, como se observa na demarcação inicial da divisão do continente americano entre Portugal e Espanha pela linha de Tordesilhas e no estabelecimento  das fronteiras no continente africano por ocasião do colonialismo do século XIX.

CLASSIFICAÇÃO DAS FRONTEIRAS

À medida que os Estados Nacionais foram evoluindo politicamente e as relações entre eles tornaram-se cada vez mais complexas, pudemos observar o surgimento de fronteiras com características muito distintas entre si, o que levou os estudiosos sobre o tema a buscar “classificar” as fronteiras, com o objetivo de melhor se compreender as particularidades de cada uma delas. Desse modo, podemos classificar as fronteiras entre as nações de diversas maneiras.

  1. Quanto à sua origem e demarcação
  • Fronteiras naturais : como diz o próprio nome, são aquelas fronteiras definidas e delimtadas por acidentes geográficos, tais como rios, lagos, cordilheiras, mares interiores, entre outros. Como exemplo, temos a Cordilheira dos Andes, que serve como fronteira entre a Argentina e o Chile e o Rio Zambeze no interior do continente africano,  que serve como limite entre a Namíbia, o Zimbábue, Botsuana e Zâmbia.
  • Fronteiras artificiais: são também conhecidas por fronteiras geométricas ou “linhas de prancheta”. São traçadas normalmente por linhas retas, baseadas em paralelos ou meridianos, após a realização de tratados diplomáticos entre os envolvidos, invariavelmente sem levar em conta os aspectos geográficos ou humanos por onde são traçadas. Ao observarmos o mapa político da África podemos observar diversas fronteiras artificiais, como entre o Egito e o Sudão ou entre a Líbia e o Chade. No Oriente Médio também ocorre  a incidência de fronteiras geométricas, como a existente entre a Síria e o Iraque.
  • Fronteiras etnogeográficas: são aquelas que buscam delimitar um território de acordo com critérios culturais, religiosos, étnicos ou mesmo linguísticos. De maneira geral, não coincidem com as fronteiras políticas previamente estabelecidas e constituem-se em “pontos de fricção” entre dois ou mais Estados. Essa é uma das causas do conflito entre a Rússia e a Ucrânia. A Rússia alega que a porção leste do território ucraniano é majoritariamente habitado por uma população que além de falar o idioma russo também está  histórica e culturalmente ligada à Rússia, e que, portanto, devem estar sob a tutela de Moscou.

2. Quanto à sua função geopolítica

  • Fronteiras de contenção: São aquelas fronteiras estabelecidas para se limitar o avanço excessivo  das influências política, cultural ou ideológica de um Estado sobre outro que lhe é fronteiriço. Por diversas vezes, nesse tipo de fronteira surgem os chamados ‘Estado-Tampão” que servem como “amortecimento” entre as tensões entre os dois países, evitando um conflito direto entre eles. Como exemplo desse tipo de fronteira, é o que verificou-se no século XIX entre o Brasil e a Argentina na região da Foz do Rio da Prata, e que levou à criação de um Estado-Tampão: o Uruguai. Outro exemplo bastante interessante de um Estado-Tampão é o caso do Iraque, localizado entre o Irã (país muçulmano de maioria xiita) e a Arábia Saudita (país muçulmano de maioria sunita).
  • Fronteiras de contato: são aquelas fronteiras que por sua estabilidade permitem que nelas ocorram trocas comerciais, culturais e sociais. Como exemplo, temos a fronteira entre o Brasil e a Argentina, entre os Estados Unidos e o Canadá e as fronteiras entre os membros da União Europeia.
  • Fronteiras de exclusão: Caracterizam-se como regiões fronteiriças que possuem grande controle ou mesmo barreiras físicas para limitar ou mesmo impedir um maior contato entre os Estados e também para impedir a migração, contrabando e outros ilícitos. Como exemplo, temos a fronteira entre os Estados Unidos e o México, a fronteira entre a Índia e o Bangladesh e também a fronteira  entre Israel e a Cisjordânia, onde, inclusive, o Estado de Israel contruiu um muro em diversos trechos.

 3. Quanto à sua estabilidade

  • Fronteiras estáveis: também chamadas de fronteiras pacíficas. São aquelas fronteiras  já historicamente consolidadas e reconhecidas pelos Estados que a compartilham e que, portanto, não são objeto de nenhuma disputa. Como exemplo, temos praticamente toda a fronteira do Brasil com seus vizinhos, perfeitamente demarcadas e reconhecidas por todos os países límitrofes.
  • Fronteiras disputadas: são aquelas que envolvem disputas territoriais entre os Estados que a compartilham, podendo inclusive ainda serem passíveis da ocorrência de conflitos armados pela sua posse. Um exemplo histórico e ainda bastaste atual é o conflito entre o Paquiestão e a Índia na região da Caxemira. Também podemos citar a fronteira entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte no paralelo 38 e a fronteira entre a Etiópia e o Sudão na região conhecida como Al-Fashaga.

4. Quanto à vivificação

  • Fronteiras densamente povoadas: são aquelas fronteiras onde observa-se a incidência de uma grande quantidade de pessoas ali vivendo, o que facilita a integração comercial e social entre os dois ou mais Estados que a compartilham. Como exemplo, temos a região da Tríplice Fronteira entre o Brasil (Foz do Iguaçu), Argentina (Puerto Iguazu) e Paraguai (Ciudad de Leste), a  fronteira oriental  entre os Estados Unidos e o Canadá e também a fronteira da Alemanha com a Polônia e a Holanda.
  • Fronteiras medianamente ou pouco povoadas: são aquelas fronteiras caracterizadas por baixa densidade populacional, onde não existem grandes centros e o acesso é dificultado pela existência de obstáculos naturais como florestas, desertos ou áreas montanhosas. Como exemplo, pode-se citar a fronteira do Brasil com o Peru, com a Venezuela e mesmo com o Guiana, onde a Floresta Amazônica se apresenta como um dificultador para a presença humana. Já na fronteira entre a China, a Rússia e a Mongólia, o frio torna a região bastante inóspita para a presença humana, desfavorecendo o seu povoamento.

Como pode-se observar, as fronteiras entre os Estados não são idênticas entre si, cada uma possuindo uma característica própria que a distingue das demais. Um mesmo Estado pode possuir fronteiras com diferentes classificações em cada uma de suas regiões, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos. As fronteiras, muito além da delimitação do exercício da soberania por um Estado no seu interior, também podem servir para isolar ou integrar esse Estado com os seus vizinhos.

Atualmente, observamos que o avanço tecnológico, notadamente o da atividade cibernética, tem tornado as fronteiras físicas cada vez mais porosas, tornando os Estados mais sujeitos a fluxos informacionais muitas vezes oriundos de países distantes e sem o compartilhamento de  fronteira física. Nesse contexto, parece surgir uma nova lógica: que as fronteiras não mais se basearão em barreiras físicas e linhas  previamente delimitadas, mas sim em servidores, programas de computadores, firewalls e infraestrutura de redes, levando o conceito de fronteira para um outro patamar. No entanto, o tema é complexo e pretendemos explorá-lo em outra ocasião.

E você ? Qual a sua opinião  sobre o tema das fronteiras ? Deixe suas impressões nos comentários ! Você avalia que nos conflitos atuais a questão das fronteiras apresenta papel relevante ? E o caso do Brasil ? Você acha que os limites atuais do país poderão no futuro gerar alguma área de tensão com algum vizinho ? Onde ? Queremos ouvir suas ideias! Entre em contato com a Equipe Geopoliticando!

Até breve !

 

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