Geopolítica Contemporânea e Liberdade de Ação

Kristian Carlos Silva Amazonas*

No Contexto histórico, a Geopolítica surgiu no final do século XIX e início do XX. Os principais autores na área da geopolítica incluem Friedrich Ratzel, Halford Mackinder, Rudolf Kjellén, Karl Haushofer, Alfred T. Mahan, Nicholas Spykman e Zbigniew Brzezinsk.

Mundo BANI

    A geopolítica, enquanto campo interdisciplinar, analisa a relação intrínseca entre Geografia, poder e estratégia. Suas raízes remontam ao final do século XIX, com contribuições decisivas ds pensadores citados acima. No século XX, a bipolaridade da Guerra Fria consolidou a geopolítica como ferramenta para entender a competição entre EUA e URSS, marcada por alianças como a OTAN e o Pacto de Varsóvia.

    No contexto contemporâneo, a globalização e a tecnologia redefiniram as dinâmicas de poder. Além disso, vivemos hoje em um mundo que muitos autores definem como sendo um “mundo VUCA”, um anagrama que define o mundo como sendo “Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo”. Mais recentemente, o antropólogo e futurologista norte-americano  James Cascio criou   o anagrama “BANI”Brittle (Frágil), Anxious (Ansioso), Nonlinear (Não Linear) e Incomprehensible (Incompreensível) –  para se referir ao mundo contemporâneo. 

    Conflitos modernos envolvem disputas por recursos (como no Ártico), controle de rotas marítimas (Mar da China Meridional) e guerras híbridas, onde o Ciberespaço e a Inteligência Artificial são os novos campos de batalha. A interdependência econômica e desafios transnacionais, como mudanças climáticas, exigem estratégias que transcendem fronteiras nacionais.

    A Escola Geopolítica Brasileira teve destaque na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento do pensamento geopolítico nacional  com ênfase na integração territorial e defesa da soberania. Autores como Golbery do Couto e Silva e Carlos de Meira Mattos defenderam a ocupação da Amazônia e a modernização das Forças Armadas como pilares da Segurança Nacional durante o Regime Militar (1964–1985). Projetos como a Transamazônica simbolizaram essa visão, embora criticada por impactos socioambientais.

    Therezinha de Castro, pioneira nos estudos marítimos, destacou a importância do Atlântico Sul e do Continente Antártico para a projeção internacional do Brasil. Essa escola, entretanto, enfrenta desafios atuais, como a influência chinesa na América do Sul e a necessidade de equilibrar desenvolvimento sustentável com segurança.

    Um conceito que não se pode deixar de levar em consideração ao falar de Geopolítica, sobretudo nesse Mundo BANI, é o de “Liberdade de Ação da Fórmula de Beaufre”. O estrategista francês General André Beaufre definiu a liberdade de ação como a capacidade de um Estado agir sem coerção externa, alcançada por meio da dissuasão nuclear. 

    Ele sintetizou o seu pensamento na seguinte fórmula “E = K x F x Y x T”, onde:

    • E = impulso estratégico.
    • K = liberdade de ação (opinião pública interna, externa e posicionamento dos demais estados).
    • F = forças materiais (economia, forças armadas, tecnologia, etc.), Y = forças morais (vontade nacional, política nacional, etc.); e
    • T = tempo (disponível para alcançar os resultados ou momento propício de desencadear a ação)].

    Sua fórmula engloba três componentes importantíssimos:

    1.⁠ ⁠Capacidade de Dissuasão: posse de armas nucleares e meios para empregá-las.

    2.⁠ ⁠Credibilidade: vontade política de usar o arsenal, se necessário.

    3.⁠ Autonomia Estratégica: independência para decidir sem alinhamento compulsório.

    Atualmente, 9 países detêm armas nucleares: EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. A França, por exemplo, realizou 193 testes nucleares na Polinésia Francesa (1966–1996) antes de ratificar o Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares (CTBT) em 1998, consolidando sua posição como potência nuclear com liberdade de ação.

    Exemplifiquei o caso francês para apresentar o caso brasileiro que se mostrou uma opção controversa. Em 1998, o Brasil aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), renunciando ao desenvolvimento de armas atômicas. A decisão reforçou o ato do Presidente Fernando Collor (1990–1992), que desativou em 1990, com sua famosa pá de cal, os poços de testes na Serra do Cachimbo, no Pará. Isso marcou uma virada na estratégia nacional. Embora o país dominasse a tecnologia de enriquecimento de urânio, optou por não realizar testes ou produzir armamentos, limitando sua capacidade dissuasória.

    Essa escolha contrasta com a trajetória francesa. A França só assinou o CTBT após concluir seus testes, garantindo credibilidade técnica e política. O Brasil, ao assinar o TNP precocemente, renunciou a uma ferramenta crítica para negociar em fóruns internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU.

    Como conclusão, espero ter atingido o objetivo de destacar a importância do conhecimento Geopolítico para obtenção de autonomia estratégica no século XXI.

    A geopolítica contemporânea exige equilíbrio entre cooperação multilateral e preservação da autonomia estratégica. Países como a França entenderam que a dissuasão nuclear é um ativo geopolítico irrevogável, permitindo-lhes influenciar agendas globais mesmo em contextos de interdependência.

    O Brasil, ao priorizar acordos de não proliferação sem antes consolidar seu status nuclear, subestimou o valor da liberdade de ação. Enquanto a França usou testes em Mururoa para assegurar seu lugar no tabuleiro global, o Brasil relegou-se a uma posição de dependência em temas como segurança cibernética e defesa de recursos na Antártica, frente a uma realidade que se caracteriza por ser frágil, ansiosa, não linear e incompreensível.

    Em um mundo marcado pela ascensão da China, pela guerra na Ucrânia e pela crise climática, a lição é clara: a liberdade de ação não é um luxo, mas uma necessidade estratégica. Para o Brasil, revisitar sua tradição geopolítica, sem repetir erros do passado, pode ser o caminho para recuperar protagonismo em um cenário internacional cada vez mais fragmentado.

      (*) Coronel de Infantaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Especialista em Política, Estratégia e Alta Administração. Mestre em Operações Militares. Foi analista do Centro de Inteligência do Exército e Chefe da Seção de Inteligência do Comando Millitar do Planalto (Brasília/DF) e do Comando Militar da Amazônia (Manaus/AM). Atuou como Analista de Inteligência durante a Operação de Pacificação da Favela da Maré (Rio de Janeiro/RJ). Foi Comandante do 28º Batalhão de Infantaria Leve (Campinas/SP) e Subdiretor de Controle de Efetivos e Movimentações (Brasília/DF). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/kristian-carlos-silva-amazonas-229558148/

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