Nos últimos dias o noticiário internacional tem sido praticamente tomado pelo conflito entre o Estado de Israel e o Irã, iniciado após os israelenses haverem atacado instalações estratégicas em território iraniano, supostamente usadas para o desenvolvimento de artefatos nucleares. Apesar de podermos acompanhar pela imprensa praticamente ao vivo a resposta militar do Irã contra Israel com a utilização de mísseis balísticos lançados contra as principais cidades israelenses, o mesmo não se pode dizer do Irã, uma vez que o país apresenta um regime bastante fechado e são poucas as informações disponíveis. De acordo com o Índice de Liberdade de Imprensa da Freedom House, o Irã é classificado como um dos mais repressivos em relação ao livre exercício do jornalismo.

Além de possuir um regime político bastante fechado, com costumes e tradições bem distintos do Ocidente, a localização geográfica do Irã, bastante distante do Brasil, torna o país praticamente desconhecido pela maior parte dos brasileiros, embora os dois países mantenham relações diplomáticas desde 1903 e possuam relações comerciais que totalizam aproximadamente 10 bilhões de dólares por ano. Assim, nesse artigo pretendemos apresentar um pouco mais sobre a história e as características esse país, que atualmente desempenha um importante papel na geopolítica mundial e na geopolítica regional do Oriente Médio.
ASPECTOS HISTÓRICOS
O Irã, cujo nome oficial é República Islâmica do Irã, é uma das mais antigas civilizações do mundo, com uma história de mais de 2500 anos. A origem do Irã remonta ao Império Aquemênida, fundado por Ciro, o Grande, no século VI a.C, sendo considerado o primeiro império persa. O Império Aquemênida foi um dos maiores impérios da Antiguidade, estendendo-se desde o Mar Mediterrâneo até a Índia. Cabe aqui um esclarecimento crucial para um melhor entendimento sobre o Irã: apesar de ser um país majoritariamente muçulmano, ao contrário do que muita gente acredita , o Irã não é um país árabe. O Irã é persa.
Durante a Idade Média, a Pérsia (atual Irã) passou por profundas transformações culturais, filosóficas, científicas e arquitetônicas. No início do século XVI estabeleceu-se a chamada Dinastia Safávida que estabeleceu o xiismo doze-imamita como sendo a religião oficial do Estado. Esse fato, foi crucial para moldar a identidade cultural, religiosa e política da Pérsia, com reflexos até os dias atuais. Foi a partir desse ponto, que a Pérsia (Irã) tornou-se o que hoje conhecemos por “xiita”, diferenciando-se da da maioria do mundo muçulmano, de orientação “sunita”.
Assim como ocorreu na maioria do países do mundo, o século XX trouxe profundas transformações políticas para a Pérsia (Irã). Em 1921, um golpe de Estado conduziu ao poder o Coronel Reza Khan, após a deposição do último Xá da Dinastia Qajar. Após a sua coroação, o Coronel Khan adotou o nome de Reza Xá Pahlavi. Seu reinado durou de 1925 a 1941 e nesse período foram realizados investimentos em infraestrutura, na defesa nacional e em uma educação laica.
O líder persa também incentivou a aproximação cultural com o Ocidente, mudou o nome do país de Pérsia para Irã em 1935 e também buscou reduzir a influência do clero xiita nas questões políticas. Todavia, durante a 2ª Guerra Mundial o Xá Pahlavi foi acusado de simpatizar com a Alemanha de Adolf Hitler e forçado a abdicar em 1941, após o país ser invadido pela Inglaterra e pela União Soviética.
Seu sucessor, foi o seu filho Mohammad Reza Pahlavi que procurou manter as principais políticas de seu pai, porém agindo de forma mais autoritária. Em seu governo ocorreu a chamada Revolução Branca, um programa de reformas sociais que incluia reforma agrária, alfabetização em massa, garantia de votos para as mulheres e incentivo à industrialização do país.
Essas medidas modernizadoras causaram grande insatisfação entre o clero xiita e os setores mais conservadores do país, iniciando um processo que culminou com a Revolução Islâmica de 1979, que levou o Xá Reza Pahlavi ao exílio e permitiu a ascenção ao poder do Aiatolá Ruhollah Khomeini.
A chegada ao poder de Khomeini tranformou radicalmente o Irã, transformando o país em uma República Islâmica regida por um regime teocrático xiita, onde o clero passou a exercer um rígido controle sobre a população. A sociedade foi rapidamente “islamizada” com a adoção da sharia (lei islâmica) e a adoção de códigos de vestimenta e a repressão sistemática a itens da cultura ocidental (cinema, música, imprensa livre, entre outros). O Aiatolá Khomeini faleceu em 1989, sendo substituído pelo atual líder do país, o Aiatolá Ali Khamenei.
ASPECTOS POLÍTICOS E RELIGIOSOS
Desde a Revolução Islâmica, o Irã é uma teocracia, com alguns elementos republicanos. O Aiatolá Khamenei é o líder supremo do país e exerce o controle absoluto sobre as Forças Armadas, o Poder Judiciário, a mídia estatal e a sobre a condução da política externa do país. Abaixo dele, existe um Presidente e um Parlamento eleitos pela população, entre os condidatos pré-selecionados pelo Conselho de Guardiães da Constituição, um grupo de 12 pessoas escolhidas pelo Líder Supremo e que tem entre as suas principais funções a validação do processo legislativo (toda lei aprovada pelo Parlamento é submetida à aprovação do Conselho) , a supervisão eleitoral e também à interpretação constituicional.
O sistema político iraniano combina a lei islâmica (sharia) com elementos relativamente modernos previstos em sua constituição. O Islã (de orientação xiita) é a religião oficial do Estado e é praticado por mais de 90% da população. As autoridades clericais possuem um grande poder no Irã, desempenhando papel fundamental no controle de diversos aspectos da vida social e política do cotidiano dos habitantes do país persa, penalizando com rigor aqueles que não seguem as suas normas e diretrizes.
ASPECTOS SOCIAIS E ECONÔMICOS
A população do Irã é de cerca de 90 milhões de pessoas, constituindo-se em um dos maiores contingentes populacionais do Oriente Médio. A despeito do grande controle exercido pelo clero xiita, a população do Irã possui um elevado nível educacional, com índices de alfabetização superiores a 90%. Cerca de 60% da população com idade superior a 25 anos encontram-se matriculados em instituições de nível superior. As mulheres são destaque notadamente em áreas técnicas e na área da Engenharia, apesar de existirem restrições à sua participação na vida política do país.
Em relação a economia, o Irã é bastante dependente da exploração de petróleo e gás natural. Nesse sentido, as sanções econômicas a que o país vem sendo submetido desde 2018 tem causado sérias dificuldades para a economia do país, impossibilidada de exportar para diversos países. Diante desse cenário, o Irã tem procurado tornar a sua economia mais diversificada buscando um maior crescimento do setor industrial, da agricultura e do setor de tecnologia. Contudo, a corrupção e o excesso de burocracia no campo interno e os efeitos das sanções internacionais tem tornado essa tarefa bastante complexa.
POLITICA EXTERNA E GEOPOLÍTICA
A localização geográfica do Irã, posicionado entre o Golfo Pérsico e o Mar Cáspio, controlando o Estreito de Ormuz, por onde circula diariamente aproximadamente 20% do petróleo mundial conferem ao país persa um relevante peso no cenário geopolítico global. Para contrabalancar o isolamento comercial imposto pelas potências ocidentais, o Irã tem se aproximado da Rússia e da China. Em julho de 2023, o Irã se tornou membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), reforçando os laços do país com os países da Ásia Central. Na Américo do Sul, destaca-se a parceria estratégica de caráter antiocidental do Irã com o Venezuela, do ditador Nicolas Maduro. Os dois países tem possuem projetos de cooperação de longo prazo em áreas como defesa, energia, agricultura e transportes.
Desde a década de 80 0s Estados Unidos consideram o Irã como sendo um Estado patrocinador do terrorismo. O Departamento de Estado dos EUA apontam que o o regime iraniano financia e fornece treinamento para diversos grupos terroristas como o Hamas (Faixa de Gaza), Hezbollah (Líbano) e também para a Jihad Islâmica. Mais recentemente, o Irã tem fornecido apoio militar e financeiro para os Houthis, um grupo rebelde que atua no Iêmen1.
O principal instrumento utilizado pelo Irã para o fornecimento de apoio militar a esses grupos terroristas é a Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, uma força paralela às forças armadas iranianas e que possui cerca de 150 mil homens. A Guarda Revolucionária é diretamente subordinada ao Líder Supremo (Aiatolá Khamanei) e sua função principal é “proteger os valores da Revolução Islâmica e o sistema teocrático”. Na prática, a Guarda Revolucionária do Irã atua como sendo a interface do Irã com diversos grupos terroristas que atuam no Oriente Médio, servindo como “proxi” dos interesses do país em diversos conflitos na região.
DESAFIOS ATUAIS
Ao longo desse artigo procuramos fazer um breve “radiografia” do Irã, esse país milenar, de grande importância histórica e geopolítica e sobre o qual pouco conhecemos. Além do conflito atualmente em curso contra Israel, o país enfrenta diversos desafios internos, como a insatisfação de grande parcela da sociedade com a repressão política e social (notadamente contra as mulheres), a crise econômica decorrente das sanções internacionais, e que vem castigando fortemente a classe média e as questões relativas à sucessão do Aiatolá Khamenei, que já se encontra em idade avançada.
As respostas a esses complexos desafios que se apresentam no curto prazo certamente influenciarão nos destinos do Irã nas próximas décadas. Cabe ao povo iraniano decidir com assertividade e pragmatismo, para que seu país continue desempenhando importante papel no cenário mundial, como vem fazendo desde os remotos tempos de Ciro, o Grande.
E você ? Qual é sua opinião sobre o atual conflito entre Irã e Israel ? Qual é o seu pensamento sobre o regime iraniano ? Compartilhe nos comentários ! Caso você tenha alguma sugestão de assunto a ser explorado pela Equipe do Geopoliticando, por favor, entre em contato conosco : https://www.geopoliticando.com.br/contato/ . Participe !
Até breve !
1 Para saber mais sobre os Houthis e sobre o Iêmen : https://www.geopoliticando.com.br/2025/06/11/iemen-a-guerra-esquecida/
Muito bom!
Achei o texto muito bem elaborado, com uma ambientação histórica, seguida de uma explicação sobre os aspectos políticos/religiosos que explicam o poder do Governo Teocrático do islamismo xiita iraniano, a geopolítica iraniana, como suporte de grupos terroristas e alinhamento do governos ditatoriais. Bem atual e esclarecedor.