Alessandro Sberni*
Smartphones, veículos elétricos, turbinas eólicas, sistemas militares tecnologicamente avançados. Você sabe o que está por trás disso tudo ? A resposta a essa pergunta engloba um conjunto de elementos químicos pouco conhecidos do grande público, mas de grande importância estratégica: as chamadas Terras Raras. Esses elementos, fundamentais na fabricação de tecnologias consideradas como sendo o estado da arte em diversas áreas , atualmente são foco de tensão geopolítica entre as principais potências globais, notadamente os Estados Unidos, a China e a União Europeia.
O QUE SÃO TERRAS RARAS ?
As Terras Raras são um grupo de 17 elementos químicos formados pelos quinze elementos da série dos Lantanídeos1 mais o Escândio e o Ítrio. Apesar do nome, os elementos químicos constituintes das Terras Raras não são necessariamente escassos na crosta terrestre. Todavia, sua extração e o seu processamento são bastante complexos e ambientamente delicados, o que limita a sua oferta no mercado global.

Apesar de existirem jazidas das Terras Raras em diversas partes do mundo, a China é a maior produtora mundial, controlando aproximadamente 60% da produção global. Também pode-se citar como sendo produtores relevantes os Estados Unidos, a Austrália, a Rússia, a Índia e o Mianmar.
A CHINA E O MONOPÓLIO DA PRODUÇÃO MUNDIAL
Desde o final do século XX a China consolidou-se como a maior produtora mundial de Terras Raras, controlando mais de dois terços da capacidade de processamento desses minerais. Esses números superlativos foram resultados de uma política governamental que ao longo de vários anos incentivou a pesquisa e o desenvolvimento da indústria mineradora de Terras Raras e subsidiou os custos de exploração e processamento, praticamente inviabilizando a concorrência internacional nesse setor.
A agressividade da política pública chinesa para o setor de Terras Raras, desbancando os Estados Unidos como o maior produtor mundial até a década de 1990 tornou-se um tema de grande sensibilidade nas relações internacionais, com os principais atores globais buscando reduzir a sua dependência em relação a Pequim. Atualmente, os Estados Unidos buscam reativar a sua mineração e processamento de Terras Raras e buscar novos fornecedores enquanto a União Europeia lançou programas como o “Critical Raw Materials Act”2, com o objetivo de diversificar fornecedores e estimular o reaproveitamento de materias estratégicos.
Atenta, a China observa os movimentos de seus concorrentes e busca a utilização do trunfo das Terras Raras para fortalecer as suas posições e interesses nos diversos fóruns globais.
A CORRIDA POR NOVOS FORNECEDORES
Em decorrência do domínio chinês sobre o mercado de exploração e processamento de Terras Raras e dada a importância estratégica desses insumos, diversos países têm buscado alternativas para reduzir a dependência chinesa. Nesse contexto, países como o Canadá, a Austrália, o Vietnã, o Brasil, alguns países da África e mesmo a Ucrânia tem sido apontados pelos especialistas como potenciais fornecedores de Terras Raras.
No entanto, alguns óbices relevantes se apresentam. O primeiro deles são os desafios regulatórios, ambientais e tecnológicos para a realização da exploração das Terras Raras nesses locais, uma vez que, conforme já citado, sua exploração não é trivial. Mas, ainda que se vençam as barreiras da extração, ainda existe a complexidade do processamento, que é amplamente dominado pela China. Atualmente, o que se observa é que, após a extração das Terras Raras em algumas jazidas pelo mundo, os minerais são enviados em “estado bruto” para a China a fim de serem processados. Essa situação mantém Pequim em uma posição privilegiada em relação ao tema.
Contudo, os Estados Unidos e as demais potências ocidentais sabem que a diversificação é o caminho a se seguir para mitigar a dependência chinesa. Nesse sentido, a reabertura de minas de Terras Raras nos EUA, como a de Mountain Pass, localizada na Califórnia e que encontrava-se fechada desde 2002, bem como projetos de exploração de Terras Raras na Escandinávia (Suécia e Noruega) e também projetos na América Latina, em países como o Brasil, o Chile, o Peru e a Republica Dominicana, são sinais evidentes dessa tentativa de diversificação na produção e processamento das Terras Raras.
TERRAS RARAS E GUERRA FRIA TECNOLÓGICA
As Terras Raras têm assumido papel de destaque na chamada “Guerra Fria Tecnológica” entre a China e os Estados Unidos. Nos últimos anos, nas diversas contendas comerciais que periodicamente envolvem os dois países, os chineses acenam com uma possível restrição à exportação desses minerais para os norte-americanos, expondo a vulnerabilidade das cadeias de suprimento ocidentais, com reflexos negativos imediatos sobre as cotações das ações das empresas dependentes desses insumos.
Cabe ressaltar que, além das aplicações de uso civil, a tecnologia militar também depende desses elementos para a fabricação de radades, itens de aviônica, e sistemas de teleguiamento de mísses, o que torna o fluxo contínuo dos elementos constitutivos das Terras Raras não somente uma questão de ordem econômica, mas também em questão de segurança nacional para alguns países.
PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA AS TERRAS RARAS
Avalia-se que as Terras Raras devem ter sua demanda exponencialmente aumentada nas próximas décadas, motivadas pela transição energética e pela digitalização de diversos setores da vida cotidiana, notadamente a digitalização da economia global. O tentativa do aumento da exploração e processamento das Terras Raras pode gerar conflitos regionais, aumento de disputas comerciais e até reconfigurações das alianças internacionais atuais.
Ainda que sua relevância estratégica seja indiscutível, a exploração das Terras Raras tem diversos desafios ambientais e logísticos a serem enfrentados. Entre esses desafios encontram-se as questões ambientais decorrentes de sua exploração, o manejo dos resíduos radioativos e a distância entre as regiões produtoras, a região de processamento e a localização dos mercados consumidores.
Concluindo, pode-se afirmar que, invisíveis para a maior parte da população, as Terras Raras constituem-se em um dos mais estratégicos recursos naturais da atualidade. Quem controlar a sua exploração e o seu processamento, exercerá relevante influência sobre as principais cadeias produtivas globais e, em consequência, sobre o futuro tecnológico do planeta.
Na Nova Ordem Mundial, pode-se dizer que as Terras Raras são o “ouro invisível”, capaz de definir o equilíbrio de poder entre os principais atores mundiais nas próximas décadas. As Terras Raras não são apenas “commodities” : são (e estima-se que serão cada vez mais) instrumentos de poder geopolitico.
E você ? Qual é o seu pensamento sobre o tema ? Como você enxerga a relevância e o peso geopolítico das Terras Raras ? Deixe sua opinião nos comentários ou entre em contato com a Equipe do Geopoliticando ! Participe ! Opine ! Critique !
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( * ) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/
1 Elementos químicos da série dos lantanídeos : Lantânio, Cério, Praseomídio, Neodímio, Promécio, Samário, Európio, Gadolíneo, Térbio, Disprósio, Hólmio, Érbio, Túlio, Itérbio e Lutécio.
2 Saiba mais sobre o Critical Raw Materials Act : https://single-market-economy.ec.europa.eu/sectors/raw-materials/areas-specific-interest/critical-raw-materials/critical-raw-materials-act_en
Excelente artigo. Serve como um alerta para o Estado brasileiro que quem dominar toda cadeia, da extração ao processamento, tenderá a ser um dos protagonistas geopolítico e tecnológico.