A Iniciativa Quad: um contraponto à influência chinesa no Indo-Pacífico ?

Alessandro Sberni*

A Iniciativa QUAD, ou Iniciativa de Segurança Quadrilateral, constitui-se em um fórum estratégico “informal” que reúne os Estados Unidos, o Japão, a Austrália e a Índia, cujo objetivo declarado é promover a cooperação em vários temas na região do Indo-Pacífico, particularmente em assuntos de segurança e defesa, tecnologia, cadeias de suprimento e mudanças climáticas. O QUAD teve sua origem em 2004, quando os quatro países se uniram para prestar assistência humanitária às vítimas do tsunami que devastou vários países na região do Oceano Índico.

No entanto, a “formalização” do grupo ocorreu apenas em 2007, por iniciativa do Japão, por intermédio do seu Primeiro-Ministro Shinzo Abe, cuja proposta inicial era a adoção de ações com o objetivo de reforçar a segurança marítima no Indo-Pacífico. No entanto, após as primeiras reuniões, a Austrália retirou-se do grupo em 2008, temendo eventuais retaliações comerciais por parte da China. O QUAD veio a ressurgir em 2017, motivado pelas crescentes demandas chinesas em relação ao Mar do Sul da China, a criação e a militarização algumas ilhas artificiais e também pelo avanço chinês em sua política conhecida como Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), conhecida como a “Nova Rota da Seda”. Diante desse cenário, os quatro países concluiram pela necessidade de retomar a cooperação estratégica com o objetivo de se garantir o equilíbrio geopolítico na região.

ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

Ao contrário da OTAN, da OEA e da União Europeia, o QUAD não possui uma estrutura institucional formal. Suas atividades consistem em realização de reuniões de cúpula dos líderes de seus integrantes. encontros de ministros e a realização de fóruns sobre assuntos específicos. A primeira reunião dos líderes dos quatro países do QUAD ocorreu em 2021. Na ocasião foram discutidos assuntos como a fabricação e distribuição de vacinas contra a COVID/19, o aperfeiçoamento de cadeias de suprimento e também projetos em comum nas áreas de inteligência artificial de telecomunicações.

Apesar dos temas de segurança e defesa continuem sendo prioritários, a diplomacia dos países do QUAD tem procurado ampliar o escopo de assuntos de interesse comum dos membros do grupo, com a finalidade de fortalecer a percepção, principalmente para a China, que o QUAD não é uma aliança militar e sim um fórum de promoção da prosperidade regional.

MOTIVAÇÕES GEOPOLÍTICAS

Considerando-se que os países do QUAD constituem-se em um grupo bastante heterogêneo sob quaisquer pontos de vista em que se analise, pode-se afirmar que cada um de seus membros possuem suas razões particulares para integrar grupo, ainda que a preocupação com as movimentações geopolíticas da China seja um fator comum.

Do ponto de vista dos Estados Unidos, a Iniciativa QUAD constitui-se em uma importante peça em sua estratégia de conter a influência chinesa na região do Indo-Pacífico, uma região considerada fundamental para a preservação de seus interesses políticos e econômicos. Nesse sentido, o QUAD reforça a sua proximidade com parceiros de grande relevo na região.

Quanto ao Japão, geograficamente bastante próximo da China e altamente dependente do comércio marítimo, visualiza a Iniciativa QUAD como um instrumento para a garantia da liberdade de navegação no Pacífico e também como forma de se conter a expansão chinesa. Já a Austrália, apesar de possuir grande interesse econômico na China, tem na Iniciativa QUAD a ferramenta para reforçar a sua segurança nacional bem como consolidar a sua influência na Oceania e na região do sudeste asiático.

Por fim, a Índia enxerga o QUAD como um mecanismo para buscar equilibrar a crescente presença chinesa no Oceano Índico (principalmente no seu arquirival Paquistão) e também na fronteira terrestre compartilhada pelos dois países na região do Himalaia. Assim, a cooperação com países relevantes como os integrantes da Iniciativa QUAD fortalece a posição geopolítica da Índia no cenário global e incrementa a sua segurança nacional.

QUAD X CHINA: CONFLITO OU COMPETIÇÃO

Muito embora os membros do QUAD sistematicamente busquem caracterizar que que a Iniciativa não se trata absolutamente de uma aliança “anti-China”, é inegável que Pequim é um tema central nas ações do QUAD. Por sua ótica, a China evidentemente enxerga na Iniciativa QUAD uma ameaça potencial aos seus interesses regionais e globais.

A tensão entre o QUAD e a China fica bastante evidenciada em temas como :

• Militarização de ilhas artificiais no Mar do Sul da China
• A situação de Taiwan
• Disputas fronteiriças entre a China e a Índia
• Influência chinesa sobre os países do Pacífico Sul

REFLEXOS GEOPOLÍTICOS DA INCIATIVA QUAD

Como não poderia deixar de ser, a China avalia o QUAD com desconfiança, considerando a iniciativa como parte de uma estratégia de “contenção” liderada pelos Estados Unidos. Em algumas ocasiões, o governo de Pequim se referiu ao QUAD como sendo uma espécie de “OTAN asiática”, embora essa não seja uma comparação apropriada. De toda forma, a China procura disseminar a narrativa que a Iniciativa QUAD é uma tentativa de fomentar tensões e de dividir a Ásia.

Outros países relevantes no Sudeste Asiático, como o Vietnã, as Filipinas e a Indonésia tem adotado uma postura de cautela em relação ao QUAD. Apesar de também estarem preocupados e atentos com a expansão chinesa, esses países não desejam que uma postura excessivamente agressiva dos países do QUAD causem uma desestabilização na região.

Em relação a outras iniciativas existentes na região, como o Fórum Econômico Indo-Pacífico para a prosperidade (IPEF) e o o AUKUS (Pacto trilateral entre a Austrália, o Reino Unido e os Estados Unidos, a Iniciativa QUAD tem buscado articular estratégias e arranjos que caracterizem a formação de convergência dos interesses multilaterais na região, focados em diversas áreas distintas além da segurança e defesa.

PERSPECTIVAS

A natureza informal da Iniciativa QUAD e a consequente ausência de compromissos de defesa mútua pode ser considerada a sua principal limitação. A diferente percepção que cada um dos quatro membros possui do grau de ameaça e os diferentes interesses estratégicos e econômicos em relação à China torna bastante complexo a adoção de medidas cconjuntas, uma vez que cada país possuirá um diferente “grau de engajamento”.

Além disso, existem os fatores políticos internos de cada um dos membros do QUAD. A cada eleição, a cada troca de governo, a Iniciativa QUAD é mais ou menos priorizada pelos eleitos, tornando uma tarefa não trivial a apresentação de resultados concretos pela Iniciativa.

Apesar das dificuldades, a Iniciativa QUAD pode ser considerada uma das mais importantes ações estratégicas da atualidade. Sua existência sinaliza a disposição das democracias da região do Indo-Pacífico em coordenarem esforços para uma eventual contenção de arroubos autoritários e na promoção de uma ordem regional baseada em regras pré-estabelecidas.

Mesmo não sendo uma aliança militar, a Iniciativa QUAD é uma aliança a favor de princípios. A sua continuidade e o seu sucesso serão diretamente proporcionais à sua capacidade de traduzir esses princípios em ações concretas e duradouras. A conferir nas próximas décadas.

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Até breve !

( * ) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/

Conheça mais sobre o QUAD : https://www.dfat.gov.au/international-relations/regional-architecture/quad