Alessandro Sberni*
Na última semana pudemos acompanhar pelo noticiário internacional o recrudescimento do conflito entre a Tailândia e o Camboja, países de grande importância na região do Sudeste Asiático. A crise entre as duas nações escalou rapidamente, chegando ao desencadeamento de ações militares aéreas e terrestres que deixaram um saldo de aproximadamente quize mortos e diversos feridos, além da evacuação de cerca de 80.000 pessoas residentes na área do conflito.
Mas qual a origem e as motivações desse conflito entre a Tailândia e o Camboja ? Quais as suas causas ? Quais os reflexos para a estabilidade e a geopolítica do Sudeste Ásiatico ? São questionamentos que iremos procurar responder ao longo desse texto.
ORIGENS DO CONFLITO

A disputa entre a Tailândia e o Camboja remonta à delimitação territorial realizada à época da colonização francesa e ao Tratado Franco-Siamês de 1907, firmado entre a França (que à época controla o atual Camboja) e o Reino do Sião (atual Tailândia). Por intermédio desse tratado, o Camboja passou a controlar a região do templo de Preah Vihear, uma área de grande valor simbólico e histórico para ambos os países. Apesar de em 1962 a Corte Internacional de Justiça haver confirmado a soberania do Camboja sobre a região, a Tailândia nunca aceitou plenamente essa decisão.
O pleito tailandês sobre a soberania da região de Preah Vihear motivou diversas escaramuças fronteiriças ao longo dos anos, com a ocorrência de conflitos armados de baixa intensidade entre os dois países em 2008, 2009, 2010 e mais intensamente em 2011, quando as ações militares causaram maiores danos materiais e também um maior número de perdas humanas.
MOTIVAÇÕES RECENTES
Apesar da rivalidade entre a Tailândia e o Camboja ser bastante antiga, a situação entre os dois países encontrava-se em relativa tranquilidade desde os conflitos de 2011. No entanto, fatos recentes aumentaram a temperatura das relações entre os dois países, culminando os a realização de ações armadas entre eles. Dentre esses fatos pode-se destacar :
- Crise política na Tailândia: em junho ocorreu o vazamento de uma ligação telefônica entre a Primeira-Ministra da Tailândia, Paetongtarn Shinawatra, e o o ex-Primeiro Ministro do Camboja, Hun Sen. Na ligação, a Primeira Ministra foi acusada de adotar um tom submisso ao líder cambojano e a criticar um importante líder militar tailandês. O escândalo levou o Tribunal Constitucional tailandês a afastar Paetongtarn Shinawatra do poder, deixando um vácuo de governança e criando uma grande turbulência política interna.
- Rivalidade entre dinastias políticas da Tailândia e do Camboja: As famílias Shinawatra (tailandesa) e Hun (cambojana) são dinastias poderosas que há décadas influenciam a política e a economia de seus respectivos países. Nos últimos meses, comentários e trocas de acusações públicas entre as duas famílias versando sobre irregularidades em redes de cassinos, escândalos econômicos e a prática de crimes transfronteiriços agravaram a rivalidade entre as duas dinastias, levando as disputas familiares para o conflito entre suas respectivas nações.
PANORAMA DO CONFLITO ATUAL
A crise em andamento entre a Tailândia e o Camboja iniciou a sua escalada no final de maio de 2025, com a ocorrência de combates de baixa intensidade na região do Templo de Ta Moan Thon, motivados pela morte de um soldado cambojano na região da Tríplice Fronteira entre a Tailândia, o Camboja e o Laos. No início de julho, um soldado tailandês ficou gravamente ferido ao pisar em uma mina terrestre na fronteira entre os dois países.
Diante desse fato, a Tailândia bombardeou posições no interior do Camboja, utilizando-se de Artilharia de diversos calibres e de ataques aéreos com aviões F-16. Por sua vez, o Camboja realizou ataques contra as tropas tailandesas com a utilização de Artilharia, drones de alcance limitado e com a realização de operações militares de curto alcance contra posições militares da Tailândia.
Apesar de até o momento os danos materiais e perdas militares terem sido relativamente baixos, as maiores vítimas do conflito tem sido a população civil, que viu-se obrigada a abandonar a área das operações militares, gerando um elevado número de deslocados.
CAPACIDADE MILITAR
A Tailândia possui Forças Armadas mais modernas, mais bem treinadas e melhor equipadas. O país é a segunda maior potência militar do Sudeste Asiático, sendo superado apenas pela Indonésia. O país possui um número considerável de veículos blindados, peças de artilharia e uma força aérea dotada de caças relativamente modernos. O país possui acordo de cooperação militar com o EUA, de quem recebe diversos materiais de emprego militar.
Já o Camboja possui Forças Armadas mais modestas tanto em efetivos quanto em equipamentos militares. Boa parte de seu material de emprego militar ainda são legado da antiga União Soviética. Aas forças cambojanas são altamente dependentes de apoio externo (sobretudo da China) para a realização de treinamentos e aquisição de equipamentos militares.
Em síntese, na hipótese de um conflito convencional, de alta intensidade e de curta duraçao , a Tailândia possui vantagem militar. No entanto, um conflito mais prolongado, de baixa intensidade e de caráter assimétrico e em um terreno mais complexo de se realizar operações militares (vegetação densa, montanhas, entre outros), pode limitar a superioridade tailandesa e trazer vantagens consideráveis para o Camboja.
CONSEQUÊNCIAS GEOPOLÍTICAS
Apesar do conflito entre a Tailândia e o Camboja estar circunscrito aos dois países e estar no nível de baixa internsidade, o prolongamento da animosidade entre as duas nações asiáticas tem o potencial de apresentar alguns reflexos que podem afetar a geopolítica do Sudeste Asiático e até no relacionamento entre potências como os Estados Unidos e a China, a saber :
- Redução da coesão da ASEAN : a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), fundada em 1967 tem como principal objetivo promover a cooperação e a integração das nações do Sudeste Asiático. A incapacidade da organização em mediar a solução pacífica para um conflito entre dois de seus membros tem o potencial de enfraquecer institucionalmente o bloco, transimitindo uma imagem de um bloco pouco coeso.
- Alteração da Estabilidade regional: a instabilidade gerada pelo conflito entre a Tailândia e o Camboja pode servir de estopim para a eclosão de outros conflitos regionais que encontram-se adormecidos. Além disso, a animosidade entre os dois países desviam recursos materiais e financeiros que poderiam estar sendo empregados em projetos de desenvolvimento regional.
- Envolvimento de outras potências: a continuidade do conflito pode gerar o envolvimento de outras potências que tem interesse na região do Sudeste Asiático, como o Japão, a China e os Estados Unidos. O aumento da intensidade dos combates tem o potencial de criar um ambiente propício para uma “guerra por procuração”, com potências estrangeiras apoiando militarmente cada um dos lados.
O FUTURO
Embora o combates tenham reduzido de intensidade nos últimos dias, com ambos os lados tendo concordado com um cessar-fogo mediado pela Malásia, Estados Unidos e China, a disputa fronteiriça entre a Tailândia e o Camboja, principalmente em relação a região do Templo Preah Vihear permanece como uma questão não resolvida. Com raízes históricas profundas e exacerbada pelo nacionalismo de ambas as partes, a questão da região do Templo Preah Vihebar continuará latente, e é certo se afirmar que o tema continuará a gerar desconfiança e ressentimentos entre as duas nações asiáticas.
A atuação dos demais membros da ASEAN e de potências extrarregionais como a China, o Japão e os Estados Unidos serão fundamentais para a busca de uma solução negociada que atenda o pleito tanto da Tailândia como do Camboja, sob pena de periodicamente ocorrerem outros conflitos, afetando a estabilidade regional, com relfexos políticos, econômicos, sociais e militares para todo o Sudeste Asiático.
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Até breve !
(*) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/
Parabéns pelo artigo. Muito rico em detalhes e atual. Tema importante na Geopolítica da conjuntura atual, onde conflitos e tensões tem elevado o tom entre os principais players desse mundo multipolar.