A Índia e seus desafios geopolíticos atuais

Alessandro Sberni*

Nas últimas décadas a Índia tem emergido como um dos principais atores geopolíticos no cenário mundial. Possuindo a maior população global desde 2023, após ultrapassar a China, e com uma economia em ritmo acelerado de crescimento (de acordo com o FMI a Índia deve apresentar uma taxa de crescimento anual de mais de 6% em 2025), o gigante asiático caminha a passos largos para desempenhar um papel de liderança global. No entanto, para atingir esse patamar a Índia terá que enfrentar uma série de desafios geopolíticos, tanto de ordem externa como de ordem doméstica.

Desde relações conflituosas e ambíguas com seus vizinhos, passando por questões de segurança marítima em seu entorno e por complexas questões psicossociais internas, não são poucas e nem triviais as questões que a Índia terá que enfrentar para ocupar e se manter em local de destaque no cenário mundial. Nesse breve artigo iremos analisar algumas dessas questões.

A SOMBRA DO DRAGÃO : AS QUESTÕES FRONTEIRIÇAS COM A CHINA

Pode-se afirmar que o mais importante conflito geopolítico que a Índia enfrenta é com a China. Ambos os países compartilham uma vasta fronteira na região do Himalaia com uma extrensão aproximada de 3450 km. A fronteira entre os dois países tem historicamente sido foco de tensão, existindo diversas áreas contestadas quer pela Índia, quer pela China, como Aksai Chin (sob controle chinês mas reinvindicado pela Índia) e Arunachal Pradesh (sob controle chinês mas reivindicado pela Índia).

Alksai Chin

A relação entre os dois países é marcada pela desconfiança, desde a Guerra Sino-Indiana de 1962. Periodicamente ocorrem escaramuças fronteiriças entre os dois países, como o confronto no Vale do Galwan em 2020, que resultou na morte de 20 soldados indianos e 4 soldados chineses, de acordo com os dados oficiais divulgados pelas duas nações. Um fato curioso sobre esse confronto foi que ele foi travado com pedras, barras de ferro e bastões de madeira envolvidos com arame farpado, uma vez que existem tratados bilateriais que proibem o emprego de armas de fogo na região.

Apesar dos dois países fazerem parte do BRICS e possuirem posições convergentes em diversos aspectos, a rivalidade entre a Índia e a China extende-se além das fronteiras entre eles. Nos últimos anos a China tem procurado expandir a sua influência sobre a vizinhança indiana, investindo em obras de infraestrurura em países como o Paquistão, o Sri Lanka e as Maldivas, por intermédio de sua política do Cinturão e Rota2 (BRI). Essas ações são vistas pelos indianos como uma tentativa de “sufocar” a Índia, por meio de um “cerco estratégico”.

Para se contrapor a essas ações chinesas, a Índia tem procurado buscar parcerias com adversários estratégicos da China, como os Estados Unidos e o Japão. A participação da Índia na chamada Iniciativa QUAD1, que reúne os Estados Unidos, a Austrália, a Índia e o Japão é um claro exemplo da busca indiana pelo reequilíbrio da balança de poder no continente asiático.

UM CONFLITO DE LONGA DATA : PAQUISTÃO

A relação tensa entre a Índia e o Paquistão tem raízes históricas que remontam à chamada Partição de 1947, que deu origem ao Paquistão. Desde então as duas nações já estiveram em guerra por quatro vezes e ainda mantém uma situação diplomática bastante delicada em virtude da disputa pela região da Caxemira.

Além disso, as tensões entre os dois países são frequentemente agravadas pelo tema do terrorismo transfronteiriço, onde grupos de radicais muçulmanos, como o Lashkar-e-Taiba e o Jaish-e-Mohammed, que operam a partir do território paquistanês e realizam ataques contra alvos indianos, como o atentado realizado em Mumbai em 2008.

Soma-se a isso o fato de que entre a Índia e o Paquistão está situada a “fronteira religiosa” entre duas grandes religiões : o islamismo e o hinduísmo. Essa situação agrava ainda mais as diferenças entre os dois países, sendo uma das principais causas da divergência em torno da região da Caxemira.

A relevância desse conflito encontra-se no fato de ambos os países possuirem armas nucleares, o que torna os recrudescimentos periódicos entre eles sempre foco de atenção e preocupação da comunidade internacional.

O OCEANO ÍNDICO : UMA QUESTÃO VITAL

As rotas marítimas no Oceano Índico são vitais para a Índia. Estima-se que mais de 80% de suas importações de petróleo e grande parte de seus fluxos comerciais transitem pela região. Com fronteiras terrestres ao norte bastante influenciadas pelo relevo (Cordilheira do Himalaia), a Índia depende basicamente do transporte marítimo para a realização do seu comércio exterior.

Nesse contexto, os indianos consideram uma ameaça latente a instalação de bases navais chinesas em locais estratégicos como Djibuti, Gwadar (no Paquistão) e em Hambantota (no Sri Lanka). Em contrapartida, a Índia vem procurando modernizar os seus meios navais e estreitar relações com países insulares da região como as Maldivas, Seychelles e Ilhas Maurício, além de buscar estreitar a cooperação com os Estados Unidos no acesso as bases navais do Indo-Pacífico.

BOA VIZINHANÇA : A BUSCA PELO EQUILÍBRIO DO PODER

Com a finalidade de “equilibrar” o jogo do poder e se contrapor à crescente influência chinesa, a Índia tem buscado adotar a chamada “Política dos Vizinhos Primeiro”, onde busca fortalecer e incrementar os laços com seus vizinhos como o Nepal, Bangladesh, Sri Lanka e Butão.

No entanto, essa não tem sido uma tarefa fácil. Além da crescente influência chinesa sobre esses países, a Índia também enfrenta o desafio de se mostrar um parceiro confiável por essas nações e não ser vista somente como um gigante que deseja apenas exercer sua hegemonia regional.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA : RELAÇÕES COM OS ESTADOS UNIDOS E A RÚSSIA

Ao longo de sua história a Índia sempre manteve boas relações de cooperação com a Rússia, notadamente no tocante à área militar. Considerável parcela do Material de Emprego Militar das Forças Armadas Indianas é de origem russa. Acordos recentes, como o de aquisição do sistema antiaéreo S-400 demonstram essa vertente da cooperação entre os dois países. Após o embargo dos Estados Unidos e da Europa contra a Rússia em virtude da invasão da Ucrânia em 2022, a Índia aumentou significamente a compra de petróleo russo, em decorrência do desconto oferecido por Moscou.

Por outro lado, a Índia tem nos Estados Unidos um parceiro fundamental em diversos campos, notadamente nos campos econômico e no que concerne ao seu Programa Nuclear, materializado no Acordo de Cooperação Nuclear Civil assinado em 2008. No entanto, a relação com Washington tem sido delicada. Recentemente os Estados Unidos sobretaxaram as exportações indianas para o país, alegando práticas comerciais desleais por parte da Índia e o déficit nas relações comerciais entre as duas nações. No entanto, a verdadeira razão para as sanções possivelmente é decorrente do aumento das transações comerciais entre a Índia e a Rússia e a participação indiana nos BRICS.

Assim, um dos principais desafios geopolíticos atuais da Índia é encontrar o “ponto de equilíbrio” em suas relações com Moscou e com Washington. Por um lado os indianos tem a necessidade de manter laços com Moscou, importante parceiro comercial e aliado no âmbito dos BRICS. Por outro lado, a Índia necessita manter uma convergência estratégica com os Estados Unidos, um aliado fundamental no contexto da geopolítica na região do Indo-Pacífico.

OS DESAFIOS DA DIVERSIDADE INTERNA

A Índia pode ser considerada um dos países mais diversos do mundo, possuindo uma infinidade de idiomas, religiões e etnias. Apesar das vantagens que esse fato possa apresentar, a grande diversidade do país também se constitui em uma fonte latente de tensões. A geopolítica indiana não pode ser dissociada de seus desafios internos. Questões como a desigualdade regional, a pobreza extrema em algumas regiões do país, os conflitos religiosos entre hindus e muçulmanos e movimentos separatistas como os existentes na região da Caxemira e na região nordeste do território indiano impactam de maneira direta a política externa da Índia, na medida que fragilizam o Estado Indiano perante a comunidade internacional.

A ascensão do nacionalismo hindu tem gerado um aumento das tensões religiosas e preocupações sobre a situação de minorias, como muçulmanos, adivasis e sikistas. A aprovação de leis controversas, como a Emenda à Lei da Cidadania, que facilita a concessão de cidadania indiana a imigrantes de diversas orientações religiosas, mas exclui os muçulmanos, e a anulação do Estatuto Especial da Caxemira são fatores que tem provocado protestos e estimulado as divisões internas. Caso não sejam devidamente gerenciadas, essas divisões tem o potencial de comprometer a unidade nacional indiana, oferecendo uma oportunidade para seus advsersários geopolíticos estimularem e explorarem essas divergências internas.

CONCLUSÃO

O momento atual da Índia pode ser considerado como de “inflexão geopolítica”. O país possui a maior população do planeta e uma importância econômica, política e militar que a colocam como um dos atores geopolíticos de maior relevo na conjuntura atual, principalmente da região do Indo-Pacífico.

No entanto, a disputa geopolítica e territorial com seu vizinho ao norte (China), a rivalidade histórica e os conflitos religiosos com seu vizinho de oeste (Paquistão) são desafios que necessitam ser corretamente gerenciados peloa Índia. Além disso, a habilidade em equilibrar interesses regionais e globais, a busca pela resolução dos dilemas de alinhamento estratégico com os Estados Unidos, a Rússia e os demais países do BRICS e a mitigação de suas questões psicossociais internas são grandes desafios que os indianos devem buscar resolver para que se consolidem como um dos principais polos de poder nas próximas décadas. A conferir.


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(*) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/

Leia também:

1 A Iniciativa Quad : https://www.geopoliticando.com.br/2025/07/22/iniciativa-quad/

2 A Nova Rota da Seda : https://www.geopoliticando.com.br/2025/07/12/nova-rota-da-seda/

1 comentário em “A Índia e seus desafios geopolíticos atuais”

  1. Krístian Carlos Silva Amazonas

    Excelente artigo. muito esclarecedor. Num mundo onde Estados Unidos e China roubam a cena da conjuntura geopolítica, não se deve ignorar um player como a Índia. Quando falamos em Geopolítica da Índia, talvez a primeira ideia que nos venha a cabeça seria a da questão da Caxemira, em disputa com o Paquistão, e seus possíveis desdobramentos de países detentores de armamento nuclear. Mas o texto, além disso nos mostrou questões históricas com a China, a busca pela necessária hegemonia regional e o desafio de se superar as questões internas de sua divisão social em castas, religiões, etnias e de desigualdade social.

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