Alessandro Sberni *
No início do século XX o geógrafo Halford Mackinder formulou a sua famosa Teoria do Poder Terrestre1, onde introduzia o conceito do Heartland, ou Coração do Mundo. Na concepção original de Mackinder o Heartland abrangeria a região central da Eurásia, englobando a Rússia, a Ásia Central e a Europa Oriental. Atualmente, diversos analistas geopolíticos “atualizam” a tese de Mackinder e se questionam se a região da Ásia Central não se constitui no “Heartland contemporâneo”.
Entende-se como Ásia Central o espaço geográfico atualmente ocupado por cinco países : Cazaquistão, Quirquistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão (todos eles ex-repúblicas soviéticas). Além disso, pode-se também considerar áreas adjacentes e que interagem geopoliticamente com a região, como o Afeganistão e a provìncia chinesa de Xinjiang. A Ásia Central configura-se como uma das mais importantes regiões no tabuleiro geopolítico o atual, em decorrência de sua localização estratégica, de seus recursos naturais, de sua posição como palco de disputas entre as potências globais e de seu papel relevante na segurança e na estabillidade regional.
POSIÇÃO GEOESTRATÉGICA
Os cinco países que formam a Ásia Central possuem, somados, uma área de aproximadamente quatro milhões de quilômetros quadrados (equivalente a metade do tamanho do Brasil) e possuem uma população aproximada de 82 milhões de pessoas. Por sua localização geográfica, constituem-se como um “entroncamento” entre China, Rússia, Oriente Médio e o sul da Ásia. Assim, a Ásia Central pode ser considerado fundamental para o projeto chinês da Nova Rota da Seda2 (BRI), que depende do território centro-asiático para conectar a China à Europa.

Além disso, a região da Ásia Central também é fundamental para a segurança energética da Rússia, que possui diversos gasodutos e oleodutos que atravessam os territórios dos países centro-asiáticos, notadamente na região do Mar Cáspio. Dessa maneira, a Rússia sempre mantém um olhar atento e bastante próximo sobre as suas ex-repúblicas, procurando manter sua influência sobre elas.
Pode-se ainda acrescentar que apesar dos países da Ásia Central serem majoritriamente muçulmanos, na região ocorre o “encontro” das maiores religiões do planeta, com a predomínio de cristãos ao norte (Rússia), budistas a leste (China) e hindus ao sudeste (Índia), o que torna a Ásia Central um constante foco de tensões de origem étnico-religiosas.
RECURSOS NATURAIS
A Ásia Central possui reservas de recursos naturais de grande porte , podendo ser considerada uma região de grande relevo estratégico nesse setor. Em relação ao petróleo e gás natural os maiores produtores são o Cazaquistão (que possui grandes reservas de petróleo no Mar Cáspio) e o Turcomenistão (que detém uma das maiores reservas de gás natural do planeta, no campo de Galkynysh).
A região centro-asiática também possui grandes reservas de urânio, com o Cazaquistão sendo um dos maiores produtores mundiais desse minério, que é usado como fonte de geração de energia nuclear em diversos países do mundo. As reservas e a produção de carvão mineral também são relevantes, notadamente no Cazaquistão e no Quirquistão. Considerável parcela da produção do carvão mineral é exportada o que torna a Ásia Central uma região de interesse para diversos países do mundo.
O Uzbequistão possui uma das maiores minas de ouro do mundo (mina de Muruntau). O ouro também é explorado no Quirquistão (mina de Kuntor). Outros metais como o zinco, o cobre, o chumbo o estanho, o manganês, o cromo e o ferro também possuem produção de relevo, com destaque para o Casaquistão, Quirquistão e o Tajiquistão. Em relação as chamadas Terras Raras (tão em evidência nos dias atuais), existem significativas reservas no Cazaquistão, porém ainda não devidamente exploradas, o que pode vir a se constituir em fricção geopolítica entre as grandes potências em um futuro próximo.
DISPUTAS GEOPOLÍTICAS
Em virtude de sua localização geográfica, de seus recursos natuais e de sua trajetória histórica a região da Ásia Central é atualmente palco de diversas disputas geopolíticas.
A Rússia, que dominou a região desde a época do Império Russo no século XIX até a dissolução da União soviética em 1991, busca manter a sua influência histórica por intermédio de organizações regionais como a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) e a União Econômia Euroasiática4 (UEE). No campo militar, a Rússia mantém bases no Tajiquistão e no Quirguistão, atuando contra a ameaça de grupos terroristas islâmicos e contra o tráfico de drogas oriundas do “Corredor Afegão”. Além disso, a Rússia exerce um grande “softpower” sobre os países da região, com a língua e a mídia russa possuindo grande penetração nas nações centro-asiáticas, influenciando fortemente a opinião pública.
Em relação a China, o país busca aumentar a sua influência sobre a região, principalmente com o financiamenteo de obras de infraestrura que facilitem a consecução da política da Nova Rota da Seda, ligando o território chinês ao continente europeu. Com os embargos sofridos pela Rússia em decorrência da Guerra da Ucrânia, os chineses também tem procurado ampliar a sua influência em diversos setores econômicos dos países da Ásia Central, com a finalidade de diversificar os seus mercados e reduzir a influência russa.
No tocante aos Estados Unidos e à Europa, o interesse nos países da Ásia Central é duplo : o primeiro deles é a criação de alternativas energéticas que reduzam a dependência de parceiros considerados “menos estáveis” como a Rússia e os países do Oriente Médio. O segundo interesse, é realizar a contenção do poderio chinês, utilizando a Ásia Central como uma espécie de “zona tampão” entre as regiões de influência chinesa e as regiões de influência ocidental.
Pode-se ainda considerar que a a Ásia Central também é foco de interesse de outros atores regionais, como o Irã e a Turquia. O Irã possui fronteira ao norte com o Turcomenistão e a leste com o Afeganistão, o que torna a Ásia Central uma região de interesse para o país. Nesse contexto, o Irã busca reduzir a influência dos Estados Unidos nos seus vizinhos centro-asiáticos, bem como conter o radicalismo islâmico de origem sunita proveniente de seus vizinhos de norte e leste.
No que concerne à Turquia, o país se enxerga como líder natural do chamado “mundo túrquico” (Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão e Cazaquistão são povos de origem túrquica). Dessa forma, a Turquia criou em 2009 a Organização dos Estados Túrquicos3, com o objetivo de promover a cooperação entre os Estados que partilham a língua e a cultura turcas. Com esse movimento, a Turquia busca consolidar-se como potência regional, ao mesmo tempo que busca reduzir a influência russa e a conter o avanço chinês sobre o que considerada sua zona de influência.
SEGURANÇA E ESTABILIDADE REGIONAIS
Apesar de ser comum a utilização do termo “Ásia Central”, a região não possui uma unidade política, havendo mutas vezes interesses divergentes entre as cinco nações que a integram, havendo baixa cooperação política e econômica entre elas.
Quanto a questão da segurança regional, existem diversas questões que são foco de constante preocupação para os governos centro-asiáticos. A questão mais latente é o tema do terrorismo islâmico. É fato relativamente comum que grupos extremistas oriundos e ligados ao governo do Talibã no Afeganistão e ao Estado Islâmico tentem se inflitrar nos países da Ásia Central, com o objetivo de recrutar novos integrantes, realizar planejamentos para ações terroristas e para obter financimanto para as suas ações.
A questão do tráfico de drogas também é uma questão relevante que afeta a segurança regional. A Ásia Central é considerada uma das principais rotas mundias do narcotráfico, sobretudo para o ópio e a heroína produzidas no Afeganistão e que tem como destino a Europa e a Rússia. As organizações criminosas que exploram o tráfico de drogas na região são favorecidas pelas fronteiras porosas, pelo relevo montanhoso, pela corrupção generalizada, pela pobreza e desemprego e pela baixa cooperação policial entre as nações centro-asiáticas.
Outra questão que tem o potencial de desestabilizar a região é a existência de conflitos fronteiriços latentes entre os Estados da Ásia Central. Essas disputas, em sua maioria, tem como origem questões mal resolvidas desde a era soviética, como a demarcação da fronteira do Vale de Vergana, entre o Quirguistão, Uzbequistão e Tadjiquistão.
Além dessas, existem questões de “segurança ambiental” que podem ser destacadas na Ásia Central. A mais grave delas é a questão do Mar de Aral, considerado um dos maiores desastres ecológicos do século XX, causado pela realização de desvios do rios Amu Darya e Sir Darya para a irrigação de plantações de arroz e algodão. Como consequência, o Mar de Aral (outrora o quarto maior lago do mundo), perdeu aproximadamente 85% de sua superfície original. Ainda em relação ao meio ambiente, os países da Ásia Central tem sofrido um crescente processo de desertificação e degradação do seu solo, causados principalmente pelo uso insustentável de suas terras cultiváveis.
CONCLUSÃO
Em síntese, pode-se afirmar que a região da Ásia Central representa um dos espaços geográficos mais relevantes da geopolítica atual, onde ocorre a intersecção dos interesses de grandes potências e também onde existem diversos desafios, problemas e divergências regionais. A grande gama de interesses envolvidos na região nos permitem classificar a Ásia Central como o “novo Heartland”.
A capacidade dos Estados centro-asiáticos em gerenciar suas questões internas e a equilibrar as pressões externas, gerando estabilidade regional e desenvolvimento sustentável, será decisiva nesse momento em que a região se encontra no papel de pivô geopolítico . Boas escolhas transformarão a região em uma ponte entre a Ásia e a Europa, trazendo prosperidade e desenvolvimento. Más escolhas poderão levar a região à instabilidade psicossocial, política, econômica e militar. A sorte está lançada. A conferir.
E você ? Qual é o seu pensamento sobre o tema ? Como você enxerga a relevância geopolítica Ásia Central ? Deixe sua opinião nos comentários ou entre em contato com a Equipe do Geopoliticando : https://www.geopoliticando.com.br/contato/ ! Participe ! Opine ! Critique !
( * ) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior. Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/
1 A Teoria do Poder Terrestre : https://www.geopoliticando.com.br/2025/04/13/a-teoria-do-poder-terrestre/
2 A Nova Rota da Seda: https://www.geopoliticando.com.br/2025/07/12/nova-rota-da-seda/
3 Organização dos Estados Túrquicos : https://www.turkicstates.org/en
4 União Econômica Euroasiática: https://www.eaeunion.org/?lang=en

Parabéns por mais um belo trabalho geopolítico, meu amigo. Indo de encontro ao seu artigo, recordo quando li o livro “Bandeira Vermelha no Afeganistão”, publicado pela Bibliex, que é a tradução de uma obra russa que analisa a intervenção soviética no Afeganistão (1979–1989). Em um de seus capítulos, o autor contextualiza a importância geopolítica do Afeganistão e menciona o país como parte do “epicentro da Heartland”, dentro da clássica teoria geopolítica de Mackinder.
Segundo Mackinder, quem controla a Heartland (o “coração da terra” — grosso modo, a região central da Eurásia) teria condições de dominar a “Ilha-Mundo” (Eurásia + África) e, consequentemente, o planeta. O Afeganistão aparece nesse contexto como:
– Um espaço de encruzilhada entre o Oriente Médio, a Ásia Central, a Índia e a China.
– Um ponto de penetração estratégico para potências continentais (Rússia/URSS) e marítimas (EUA e Reino Unido).
– Uma barreira natural, por seu relevo montanhoso e resistência tribal, que historicamente dificultou a consolidação de qualquer poder externo.
Com muita habilidade você aponta a importância geopolítica da Ásia Central, fornecendo dados concretos e que serve de subsídios para decisões políticas e econômicas tanto de Estados quanto de empresas.