Alessandro Sberni*
O conceito de Profundidade Estratégica ocupa um local de destaque no estudo da Geopolítica, da Geoestratégia e da Estratégia Militar. Em termos mais amplos pode-se entender a Profundidade Estratégica como a capacidade de uma Nação de absorver choques externos (quer no campo politico, quer no campo econômico ou no campo militar) sem comprometer a sua funcionalidade ou a sua sobrevivência.
Em outras palavras, pode-se compreender que a Profundidade Estratégica como o espaço e o tempo disponíveis para que um Estado, mediante um ataque, organize os seus meios, recupere as perdas inciais e conduza operações (militares ou não) em condições mais favoráveis e menos vulneráveis. Nesse contexto, quando maior o território, as barreiras naturais, a infraestrutura nacional e a sua capacidade logística e de mobilização nacional, maior será a sua capacidade de absorver o ataque inicial e reagir com eficácia.

SUN TZU : O PRECURSOR
As primeiras reflexões sobre a Profundidade Estratégica foram realizadas por Sun Tzu em sua obra “A arte da guerra”, escrita aproximadamente no ano 500 a.C. Naquela época, o general chinês já destacava a importância do terreno e da capacidade das forças militares realizarem grandes deslocamentos para surpreeenderem o inimigo. Sobre esse assunto, ensinava Sun Tzu:
- Proteja os seus centros vitais
- Retarde o avanço do inimigo
- Ganhe tempo para preparar a sua mobilização
- Use o espaço geográfico (terreno) para desgastar o seu adversário
A PROFUNDIDADE ESTRATÉGICA AO LONGO DA HISTÓRIA
a. A Rússia e a defesa em profundidade
Um dos mais característicos exemplos no emprego do conceito de Profundidade Estratégica pode ser encontrado na história da Rússia. Durante a invasão de Napoleão ao país no início do século XIX o território russo desempenhou um papel fundamental. À medida que as tropas francesas avançavam, as forças russas recuavam para o interior, destruindo cidades, plantações e quaisquer outras instalações que pudessem servir como apoio para a força invasora, privando-as da obtenção de suprimentos. A vastidão territorial e o rigor climático com a chegada do “General Inverno” contribuiram de forma decisiva para a derrota do exército francês.
Mais de cem anos depois, Hitler cometeria o mesmo erro de Napoleão. Em decorrência da invasão da Alemanha Nazista, a União Soviética usou a mesma tática, recuando seus meios para leste dos Montes Urais. A grande Profundidade Estratégica proporcionada pela imensidão do território russo, mais uma vez aliada ao rigor do inverno, proporcionou a União Soviética o tempo necessário para a reorganização e mobilização do Exército Vermelho, que pode passar a contra-ofensiva e impor derrotas decisivas aos alemães em Stalingrado e Kursk.
b. Os Estados Unidos e a Profundidade Estratégica marítima
Apesar de possuir uma grande base territorial, a Profundidade Estratégica dos Estados Unidos é basicamente proporcionada por duas barreiras naturais que os separam do restante do mundo : O Oceano Atlântico a leste e o Oceano Pacífico a oeste. Essas “barreiras naturais” permitiram que o país adotasse uma postura de isolamento durante os séculos XIX e XX, protegendo-os de quaisquer invasões diretas ao seu território.
Durante a 2ª Guerra Mundial, o território dos Estados Unidos ficou imune à destruição causada pelos combates, permitindo que o país realizasse uma grande mobilização industrial e militar antes de entrar efetivamente no conflito ao lado dos Aliados. Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos ampliaram a sua Profundidade Estratégica por intermédio de alianças militares como a OTAN que funcionava como uma espécie de ‘linha de defesa avançada” contra a União Soviética, caracterizando uma Profundidade Estratégica não apenas territorial, mas também política-estratégica.
c. Israel : o dilema da ausência de Profundidade Estratégica
Na questão da Profundidade Estratégica o Estado de Israel é um caso “sui generis”. O país possui uma base territorial bastante reduzida e encontra-se praticamente cercado por vizinhos hostis. Esses fatores levaram os israelenses a desenvolver uma Profundidade Estratégica baseada não no aspecto territorial, mas baseada na dissuação (inclusive nuclear), na mobiliação rápida e na chamada ofensiva preventiva.
Exemplificando esse modelo, pode-se verificar o ocorrido na Guerra dos Seis Dias (1967) : na ocasião, quando sua Inteligência detectou que um ataque contra seu território era iminente, Israel lançou ataques aéreos preventivos contra forças egípicias, jornanianas e sírias, compensando a sua vulnerabilidade territorial com o princípio de guerra da surpresa e com a superioridade tecnológica.
d. A China e a interiorização estratégica
Historicamente a China emprega as grandes dimensões de seu terriório como forma de obter a Profundidade Estratégica. Nesse cenário, o país sempre buscou a consolidação de suas fronteiras e utilizou o interior do país como “refúgio” diante das pressões externas. Na atualidade, o gigante asiático não modificou a sua estratégia milenar: o governo de Pequim adota uma combinação entre a defesa da porção costeira de seu território (onde encontra-se concentrada a maioria de sua população), com a interiorização de setores industriais e meios militares, como forma de proteger-se face a eventuais conflitos.
Pode-se ainda acrescentrar que a Iniciativa do Cinturão e Rota1 (BRI) é uma forma de ampliar a Profundidade Estratégica chinesa para além de seu território, decorrente da criação de novas rotas alternativas e corredores logísticos que tenham o potencial de diminuir as vulnerabilidades caso ocorra o bloqueio de Choke Points2 por onde escoem o comércio exterior chinês.
A PROFUNDIDADE ESTRATÉGICA NA ATUALIDADE
O avanço da tecnologia trouxe consigo novas potenciais ameças aos Estados, como os mísseis balísticos intercontinentais, o uso de veículos áereos não-tripulados (drones), as aeronaves “invisíveis” de longo alcance e os ataques cibernéticos. Essas inovações de certa forma reduziram a relevância do “espaço geográfico” ocupado por uma nação no que se refere à sua Profundidade Estratégica. No entanto, a Profundidade Estratégica continua a ser um conceito válido, que não desapareceu. Apenas modificou-se.
Na chamada “Guerra Cibernética” a Profundidade Estratégica envolve a criação e a manutenção de múltiplas camadas de defesa destinadas a proteção da continuidade do funcionamento das infraestruturas críticas. Os Estados Nacionais modernos buscam desenvolver e operar uma série de “linhas de defesa” (como os firewalls e outros protocolos de proteção de redes) que se constituem em sistemas para detecção e neutralização de ataques cibernéticos, com o objetivo de atrasar, mitigar e impedir ataques dessa natureza.
Em relação à defesa contra vetores aéreos, o conceito de Profundidade Estratégica é utilizado quando se utiliza o território de uma país para a realização da dispersão de sua capacidade logística e industrial, evitando-se concentrar esses meios em áreas relativamentes próximas. A utilização de meios de defesa antiaérea, como o S-400 (russo), o THAAD (norte-americano) e mesmo o Sistema Iron Dome utilizado por Israel, possibilitam a criação de uma “zona de negação de atuação” em profundidade, mantendo as instalações estratégicas a salvo de ações inimigas.
Em resumo, em que pese o desenvolvimento da tecnologia, o conceito de Profundidade Estratégica continua o mesmo na sua essência: a capacidade de uma Nação absorver o “golpe inicial” e continuar a lutar. Essa absorção pode ocorrer po intermédio de seu espaço geográfico, pela resiliência de sua população e de sua infraestrutura ou mesmo pela utilização de tecnologia avançada ou de ataques preventivos. O objetivo final é o mesmo : garantir a sobrevivência do Estado.
CONCLUSÃO
A análise do conceito de Profundidade Estratégica ao longo da história possibilita concluir que a sobrevivência de uma Nação não é dependente apenas de sua força militar, mas também de sua capacidade de explorar de forma inteligente a utilização de seu espaço territorial, o tempo e os meios disponíveis e as alianças com outros países.
Na atualidade, a Profundidade Estratégica vai muito além do espaço geográfico, projetando-se em diversas outras dimensões, como a dimensão cibernética e a dimensão informacional, o que exige dos Estados Modernos uma avaliação abrangente e multidisciplinar para a manutenção de sua segurança no sentido mais amplo, ou seja, sua segurança territorial, sua segurança digital e sua segurança no campo das informações.
E você? O que pensa sobre o tema? Como você aplicaria o conceito de Profundidade Estratégica no Brasil ? O país tem explorado de forma eficiente esse conceito ? Deixe a sua opinião nos comentários ou entre em contato com a nossa Equipe. Participe ! https://www.geopoliticando.com.br/contato/
( * ) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/
1 A Nova Rota da Seda : https://www.geopoliticando.com.br/2025/07/12/nova-rota-da-seda/
2 Choke Points: os pontos de estrangulamento globais: https://www.geopoliticando.com.br/2025/05/31/choke-points/
Ótimo. Mas poderia comentar, mesmo que de forma generalista, como o Brasil se posicionar.
Muito obrigado pelo comentário, Aylton ! A Equipe do Geopoliticando está avaliando sua sugestão e pensamos em breve publicarmos um texto sobre o Brasil e a Profundidade Estratégica. Abraço !
Grande amigo, que bacana esse tema de profundidade estratégica. Realmente serve para refletirmos acerca do mundo multinacional. Parabéns!