França e Nepal: duas crises, uma mensagem

Kristian Carlos Silva Amazonas*

O ano de 2025 nos traz um cenário de tensão geopolítica marcado não apenas por conflitos conhecidos, mas também por novas crises que borbulham em diferentes cantos do globo. O que acontece no Nepal e na França, por mais distantes que pareçam, são sintomas de uma mesma condição: o colapso da confiança entre a população e as elites políticas.

A Crise no Nepal: Um Grito da Geração Z

A crise no Nepal é um manifesto de uma nova geração. Liderados pela Geração Z, os protestos não são apenas uma resposta a um problema específico, mas um grito acumulado contra décadas de frustração.

  • Causas: o estopim foi o bloqueio de mais de 20 redes sociais pelo governo, uma medida de censura que impactou diretamente a vida de milhões de jovens e empresários. No entanto, a causa principal é a indignação com a corrupção e o nepotismo da elite política. Os jovens nepaleses, que enfrentam um alto índice de desemprego, viram a elite ostentar uma riqueza que eles acreditam ser fruto de corrupção.
  • Atores: os principais atores são a juventude nepalesa, que atua de forma descentralizada e orgânica, e o ex-primeiro-ministro Khadga Prasad Sharma Oli e a elite política, que são o alvo da revolta. As Forças de Segurança representam a repressão do Estado e os países vizinhos, Índia e China, observam atentamente, prontos para agir.
  • Consequências: internamente, a crise resultou na renúncia do primeiro-ministro e em um cenário de instabilidade política e busca por um novo governo. Geopoliticamente, o Nepal se tornou um campo de batalha para a rivalidade sino-indiana. A China pode usar o vácuo de poder para aumentar sua influência, enquanto a Índia pode tentar reafirmar seu papel na região.
  • Mensagem para o Mundo: a mensagem é clara, a juventude não aceitará mais a corrupção e a falta de oportunidades. Eles estão dispostos a lutar por um futuro mais digno, usando a tecnologia como ferramenta de organização e mobilização.

A Crise na França: O Colapso da Confiança

Na França, uma crise de governabilidade expôs a fragilidade do sistema político, mesmo em uma democracia estabelecida.

  • Causas: o motor da crise foi a perda de um voto de confiança do governo no parlamento, uma demonstração da fraqueza política do presidente Emmanuel Macron que não possui maioria no Parlamento francês. O descontentamento popular, no entanto, é o verdadeiro motor. O movimento “Bloqueie Tudo”, criado pelos movimentos da direita francesa, mas que teve a posterior adesão dos movimentos da esquerda francesa, surgiu em resposta a medidas de austeridade, como o corte de gastos e a eliminação de feriados, vistas como um ataque à qualidade de vida.
  • Atores: o presidente Emmanuel Macron e seu governo são o alvo de opositores no parlamento e dos manifestantes. O novo primeiro-ministro, Sébastien Lecornu, tem a difícil missão de restaurar a estabilidade. O movimento “Bloqueie Tudo”, sem liderança central, atua como uma força orgânica e imprevisível.
  • Consequências: internamente, a França enfrenta uma grave instabilidade política, que se traduz em paralisações, confrontos e um futuro incerto. Geopoliticamente, a crise enfraquece um dos pilares da União Europeia e da OTAN, podendo abalar a coesão do Ocidente em um momento de tensões globais.
  • Mensagem para o Mundo: a França mostra que mesmo em democracias antigas, a falta de diálogo e a imposição de medidas impopulares podem levar à ingovernabilidade. A crise é um aviso de que os líderes devem reconectar-se com a população para evitar o caos.

A Conexão e a Conclusão: O Desafio da Democracia Moderna

Ambas as crises, no Nepal e na França, são sintomas de uma mesma fragilidade: a falência da representatividade. Embora a França seja uma democracia consolidada e o Nepal seja um país em desenvolvimento democrático, os cidadãos de ambos os lugares sentem que a elite política está desconectada de suas realidades.

As crises evidenciam um novo tipo de polarização, não apenas ideológica, mas geracional e socioeconômica. Os jovens no Nepal e os manifestantes na França, embora de culturas diferentes, distantes mais de 7.200 km, compartilham a sensação de que o sistema não funciona para eles.

A grande lição para o cenário geopolítico mundial é que a estabilidade global não é apenas uma questão de poder militar ou acordos comerciais. Ela é, fundamentalmente, uma questão de confiança social. Em uma era de polarização e desinformação, o maior desafio não é o confronto entre nações, mas sim o combate ao desengajamento cívico e ao sentimento de impotência da população.

O surgimento de movimentos orgânicos, como o que vemos no Nepal e na França, é a prova de que a população está disposta a agir quando a confiança no sistema se esgota. O futuro da ordem geopolítica dependerá da capacidade das democracias de se reinventarem, reconectando-se com seus cidadãos e provando que a promessa de um governo representativo ainda é válida.

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(*) Coronel de Infantaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Especialista em Política, Estratégia e Alta Administração. Mestre em Operações Militares e Mestre em Ciências Militares. Foi analista do Centro de Inteligência do Exército e Chefe da Seção de Inteligência do Comando Millitar do Planalto (Brasília/DF) e do Comando Militar da Amazônia (Manaus/AM). Atuou como Analista de Inteligência durante a Operação de Pacificação da Favela da Maré (Rio de Janeiro/RJ). Foi Comandante do 28º Batalhão de Infantaria Leve (Campinas/SP) e Subdiretor de Controle de Efetivos e Movimentações (Brasília/DF). Linkedin: https://www.linkedin.com/in/kristian-carlos-silva-amazonas-229558148/

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