O Triângulo do Lítio e a geopolítica do Cone Sul

Alessandro Sberni*

 

O chamado Triângulo do Lítio é uma vasta região de salares existentes na região da Tríplice Fronteira entre a Argentina, a Bolívia e o Chile, delimitados pelo Salar de Uyuni (Bolívia), Salar de Atacama (Chile) e pelo Salar do Homem Morto (Argentina). De acordo com dados do United States Geological Survey1 (USGS), a região abriga aproximadamente entre 70% a 80% de todas as reservas de lítio do planeta, o que em um futuro próximo tende a tornar a região uma das mais importantes regiões geoestratégicas do mundo.

O crescimento exponencial da demanda pelo lítio, um metal fundamental para a fabricação de baterias de veículos elétricos, sistemas de armazenamento de energia e de diversos componentes eletrônicos transformou o elemento químico em um dos mais importantes itens no processo de transição energética global, onde busca-se por uma maior eficiência energética e por tecnologias de baixo carbono.

Esse cenário cria oportunidades geopolíticas relevantes para os países da América Andina, mas também uma série de desafios de ordem ambiental, de gestão econômica e dispustas por cadeias de valor envolvendo a exploração do lítio.

DISPUTAS EXTRACONTINENTAIS

Como não poderia deixar de ser, a concentração de um recurso natural tão relevante um uma região geográfica delimitada, coloca os países que a possuem na “alça de mira” das potências globais e de grandes organizações corporativas, redesenhando as relações de poder e as chamadas cadeias de valor.

A China é atualmente o ator dominante na cadeia de processamento do lítio. Suas empresas (majoritariamente operando com subsídiios estatais) controlam grande parte do processamento e do refino do mineral. Além disso, os chineses tem realizado grandes projetos de investimento na extração e produção nos países da América Andina. Esses investimentos tem como objetivo primordial a garantia do suprimento do lítio para suas indústrias de veículos elétricos, que vem conquistado relevantes fatias de mercado em diversos países do mundo, inclusive no Brasil.

Como contraponto à atuação da China, os Estados Unidos tem buscado reduzir a influência e a dependência do “lítio chinês”, procurando estimular o desenvolvimento de sua própria cadeia de suprimento no que concerne ao metal. Uma das principais políticas adotadas pelo governo dos Estados Unidos sobre o tema é a chamada Lei da redução da Inflação2 (IRA), que prevê uma série de incentivos à produção e ao processamento doméstico do lítio. Além disso, o Departamento de Estado tem buscado realizar uma intensificação dos esforços diplomáticos para tentar assegurar o acesso de empresas norte-americanas ao Triângulo do Lítio, criando uma “corrida estratégica” pelo metal.

OS MODELOS DE EXPLORAÇÃO

Em que pese os três países do Triângulo do Lítio possuirem laços históricos e culturais profundos, cada uma das Nações optou por uma abordagem distinta na forma com que realizam a exploração e o controle do lítio, o que tende a dificultar a adoção de políticas regionais comuns no manejo do recurso mineral.

A Argentina optou por um modelo de caráter mais liberal, descentralizando as regras de exploração e manejo para as suas províncias. A menor participação do Estado tem facilitado a atração de de empresas estrangeiras e a realização de parcerias público-privadas. Esse modelo tem gerado uma forte presença e atuação de empresas multinacionais no país, porém sem que a agregação de valor local esteja ocorrendo na mesma proporção.

De modo distinto, a Bolívia adotou um modelo estatizante, sob a liderança da estatal Yacimientos de Lítio Bolivianos (YLB). Apesar de possuir as maiores reservas de lítio, o modelo adotado pelos bolivianos enfrenta dificuldades técnicas, o que tem atrasado o seu desenvolvimento. Recentemente, a Bolívia assinou acordos com empresas chinesas para acelerar a extração do lítio.

Já o Chile, adotou um modelo misto, com forte regulação estatal (a constituição do país considera o lítio um recurso estratégico) mas com concessões de exploração à empresas privadas. Atualmente, o país realiza debates sobre a criação de um Empresa Nacional do Lítio, o que sinaliza a intenção de um maior controle governamental sobre o recurso natural.

DESAFIOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

Apesar da exploração do lítio se constituir em uma notável janela de oportunidade de desenvolvimento econômico para os países do Triângulo do Lítio, por intermédio do recebimento de royalties, aumento nas exportações, geração de empregos diretos e indiretos, e outros impactos positivos, sua implementação também traz uma série de desafios que devem ser corretamente manejados pelos três países, sob pena de ocorrer a repetição de antigos e seculares erros decorrentes da exploração desenfreada de recursos naturais.

Um dos principais desafios ambientais a ser enfrentado é a questão do manejo da água. A extração do lítio nas salinas andinas é realizada primordialmente por meio da evaporação solar da salmoura rica em lítio, em um processo que consome grande volume de água. Cabe lembrar, que os salares de onde se extrai o lítio estão localizados em regiões áridas ou semiáridas, onde a população local já convive cotidianamente com a escassez hídrica.

Além disso, tem aumentado a ocorrência de denúncias versando sobre a violação de direitos das comumidades indígenas que historicamente habitam a região dos salares, e que consideram a região como solo sagrado. Os projetos de desenvolvimento econômico e social com impactos locais até o momento não tem se traduzido em melhorias significativas e “palpáveis” para a comunidade local, o que vem gerando um aumento das tensões entre as partes envolvidas.

OPORTUNIDADES E FUTURO

Os países do Triângulo do Lítio vivem um paradoxo: por um lado, a exploração do mineral oferece uma imensa oportunidade de financiamento de um salto de desenvolvimento econômico e social para essas nações. Por outro lado, caso esse manejo não seja realizado de forma adequada, existe o risco da ocorrência de uma exploração meramente extrativista, com baixa agregação de valor, altos impactos ambientais e pouco benefício para as populações locais.

Para que a exploração do lítio seja um marco no desenvolimento socioeconômico dos três paises, é fundamental que sejam adotados marcos legais que proporcionem :

  • Agregação de Valor : Argentina, Chile e Bolívia devem ir além da simples exploração do lítio. As três nações devem investir pesadamente em pequisa e desenvolvimento para a implantação de fábricas para a produção de baterias e outros equipamentos eletrônicos, deixando de ser somente fornecedores de matéria prima.
  • Sustentabilidade: a legislação de cada país deve prever medidas adequadas para que a exploração do lítio ocorra com o menor impacto ambiental possível. respeitando as comunidades locais e a preservação dos ecossistemas.
  • Coordenação regional: apesar da diferença entre os modelos de exploração mineral dos três países, é fundamental que todos articulem uma estratégia comum (à semelhança da OPEP), que aumentem o poder de negociação no mercado internacional, permitindo a comercialização do lítio nas melhores condições para as três nações.

CONCLUSÃO

O lítio já é uma realidade. Trata-se de um um ativo estratégico para a transição energética global. Como tal, será cada vez mais objetido do interesse geopolítico dos grandes atores globais. Ao concentrar a maior parte da reserva mundial desse recurso natural, a região do Triângulo do Lítio encontra-se no centro desse jogo de poder.

A capacidade de Argentina, Bolívia e Chile em transformar as suas grandes reservas do lítio em desenvolvimento social e econômico sustentáveis dependerá fundamendalmente de sua capacidade de estabelecer parâmetros adequados que equilibrem exploração econômica, proteção ambiental e dessenvolvimento regional, mesmo sabendo do voraz apetite de grandes atores globais como China, EUA e União Europeia por um acesso estável e constante ao litio, o chamado Ouro Branco do século XXI. A conferir !

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(*) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/

 

1 United States Geological Service : https://www.usgs.gov/

2 Lei de Redução da Inflação: https://www.energy.gov/lpo/inflation-reduction-act-2022

 

2 comentários em “O Triângulo do Lítio e a geopolítica do Cone Sul”

  1. Aylton Carlos Rodrigues

    Artigo abrangente! Preocupante a posição chinesa sobre as reservas, com esse mineral tão estratégico. Os países detentores devem estabelecer uma política que estabelecem limites para a segurança de todos.

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