A Geopolítica do Ártico e as novas rotas marítimas

Alessandro Sberni*

A região do Ártico, uma vasta e remota porção do planeta que historicamente permanece congelada a maior parte do tempo está se transformando em um dos mais importantes cenários de disputas geopolíticas do nosso século. O degelo provocado pelas mudanças climáticas não é somente uma questão ambiental a ameaçar a fauna e a população que habita a região, mas é também o gatilho de uma enorme gama de transformações econômicas, militares e de segurança internacional.

Ártico

De acordo com dados do Artic Monitoring and Assessment Programme1 (AMAP) a região do Ártico vem sofrendo um aquecimento a uma velocidade quatro vezes superior à da média global. Esse fenômeno tem reduzido significativamente a cobertura de gelo durante o período do verão no Hemisfério Norte, permitindo com que a navegação se torne possível na região por períodos cada vez mais longos. Dessa forma, o que outrora se constituia em uma barreira de gelo intransponível vem se tornando cada vez mais potenciais corredores de navegação para o comércio internacional.

NOVAS ROTAS MARÍTIMAS

Nesse contexto, tem se observado a crescente importãncia de duas rotas marítimas : A Rota Marítima do Norte (também conhecida por Passagem Nordeste) e a Passagem Noroeste.

  • Rota Marítima do Norte (em vermelho na figura abaixo): trata-se de uma rota que se desenvolve ao longo da costa ártica da Rússia (Mar de Barents), ligando o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico através do Estreito de Bering. Essa rota já se encontra bastante desenvolvida, apresentando potencial imediato para o comércio internacional. Ao longo da rota existem portos como o de Sabetta, Dudinka, Tiski e Pekev, todos em território russo.
  • Passagem do Noroeste (em verde na figura abaixo): essa rota desenvolve-se ao longo da costa ártica do Canadá (Arquipélago Canadense) e também conecta o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico. Essa rota enfrenta questões complexas versando sobre a soberania canadense, mas também encurta sobremaneira as rotas marítimas tradicionais.

Ambas as rotas proporcionam uma diminuição bastante considerável entre os principais centros econômicos europeus e asiáticos. A título de exemplo, uma viagem marítima entre a Europa e o leste da Ásia pode ser diminuída em aproximadamente 30% com a utilização das rotas árticas, trazendo uma grande economia no tempo e no custo em relação as rotas que utilizam o Canal de Suez ou o Canal do Panamá.

Novas rotas

INTERESSES ECONÔMICOS E RECURSOS ESTRATÉGICOS

Estimativas do United States Geological Survey2 apontam que a região do Ártico concentra cerca de 13% do petróleo e 30% do gás natural ainda não descobertos no mundo. Além disso, também existe grande potencial para a mineração de minerais críticos, áreas de pesca, lançamento de cabos submarinos e a exploração do turismo.

Esse enorme potencial da região do Ártico tem incrementado as disputas por jurisdições marítimas e territoriais, principalmente em relação a chamada Plataforma territorial Estendida, prevista na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Assim, países como a Rússia, o Canadá e a Dinamarca (Groenlândia) vem apresentando solitações para expandir seus limites marítimos e obter direitos exclusivos sobre os recursos localzados no fundo do oceano.

PRINCIPAIS ATORES SOBRE O ÁRTICO

1) Rússia: a potência dominante

A Rússia tem investido pesadamente em infraestrutura, bases militares e navios quebra-gelo de propulsão nuclear na região do Ártico. Possuidora da maior linha linha costeira ártica, a Rússia considera a região como sendo uma prioridade estratégica, quer em virtude do controle da Rota do Norte quer em virtude da exploração de recursos minerais. Buscando consolidar sua soberania sobre a região, o governo russo exige que navios de bandeira estrangeira notifiquem previamente sobre sua passagem na Rota do Norte.

2) Estados Unidos: a questão da segurança marítima

Embora não sejam signatários da CNUDM, os Estados Unidos são também uma potência ártica em decorrência do Alasca. A principal preocupação dos norte-americanos em relação à região do Ártico está relacionada à liberdade de navegação e ao equilíbrio de poder diante da presença da Rússia e, mais recentemente, da China na região (os chineses tem financiado diversos projetos de infraestrutura na Islândia, país considerado a “porta” do Ártico. Não por acaso, recentemente o Presidente Donald Trump tem feito declarações sobre a possibilidade dos Estados Unidos “anexarem” a Groenlândia.

3) Canadá: questão de soberania

O Canadá considera que a Passagem do Noroeste encontra-se no interior de seu mar territorial. No entanto, os Estados Unidos e a União Europeia consideram a Passagem como sendo um “estreito internacional”. Trata-se de uma divergência jurídica de grande complexidade a ser resolvida e que impacta diretamente o comércio global.

4) China: um Estado “Quase-Ártico”

Apesar de não possuir uma costa ártica, a China declarou-se um Estado “Quase-Ártico” e tem demonstrado um interesse crescente na região. A chamada Rota Polar da Seda é a extensão ártica da Iniciativa do Conturão e Rota (BRI). O interesse chinês no Ártico baseia-se principalmente no comércio (diminuição dos custos logísticos), recursos naturais e pesquisa e desenvolvimento. A China tem atuado em parceria com a Islândia e a Rússia, buscando aumentar sua influência sobre a região.

DESAFIOS PARA A REGIÃO DO ÁRTICO

1) Governança

Ao contrário do que ocorre com a Antárdida, o Ártico não possui um tratado internacional que abranja a sua gestão, o que torna mais problemática a resolução de questões como a navegação e a exploração de recursos. Apesar de diversas questões estarem sob o arcabouço legal da CNUDM, o fato dos Estados Unidos não serem signatários da referida convenção e a controvérsia sob a soberania de certas águas (como a Passagem Noroeste) são desafios atuais e latentes sobre a governança a ser aplicada ao Ártico.

Uma tentativa do estabelecimento de uma “governança mínima” é o chamado Conselho do Ártico3, um fórum que reúne os oito Estados Árticos e representantes do povos indígenas da região. No entando, o Conselho não trata de questões militares e a crescente tensão geopolítica envolvendo a Rússia após a invasão da Ucrânia tem dificultado o diálogo e a cooperação regional.

2) Questões Ambientais

O incremento da navegação e da exploração mineral no Ártico são ameaças que se apresentam para um ecossistema até então intocado, porém já fragilizado pelo aquecimento global. O risco de vazamento de substãncias tóxicas dos navios e outros acidentes ambientais causados pela exploração mineral são ameaças reais para a biodiversidade e para as comunidades indígenas que habitam a região.

3) Comunidades Indígenas

As comunidades indígenas que há séculos vivem em profunda conexão com o ambiente ártico são os principais afetados pelas mudanças climáticas e pelo aumento das atividades de exploração e pela navegação na região. Assim, é fundamental que o modo de vida e a sustentabilidade dessas comunidades sejam levados em consideração nos modelos de exploração propostos pelas potências árticas.

CONCLUSÃO

O Ártico, outrora uma região remota, gelada e esquecida pelo mundo está se tornando um dos epicentros geolíticos do nosso século. As mudanças climáticas tem alterado as configurações geográficas da região, criando novas rotas marítimas e permitindo o acesso a recursos minerais antes totalmente inalcansáveis, atraindo, em consequência, a atenção das potências globais, árticas ou não.

Essa “corrida pelo Ártico” pode trazer instabilidade na região, criando problemas geopolíticos com potencial de se propagarem a outras regiões do mundo. Nesse contexto, o caminho mais adequado para a exploração da região ártica parece ser o da cooperação internacional, por intermédio de fóruns como o Conselho do Ártico e sempre balizada pelas normas e princípios do Direito Internacioanal. A conferir !

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(*) *) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin : https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/

1 Saiba mais sobre a AMAP : https://www.amap.no/

2 UN Geological Survey: https://www.usgs.gov/

3 Saiba mais sobre o Conselho do Ártico: https://arctic-council.org/

2 comentários em “A Geopolítica do Ártico e as novas rotas marítimas”

  1. Krístian Carlos Silva Amazonas

    Gostaria de parabenizar o amigo, Alessandro Sberni, pelo excelente e oportuno artigo sobre “A Geopolítica do Ártico e as novas rotas marítimas”.
    Seu artigo detalha com clareza as transformações impostas pelo degelo, o potencial das novas rotas como a do Norte e a Passagem Noroeste, e analisa a fundo os interesses dos principais atores Rússia, EUA, Canadá e China neste novo epicentro geopolítico.
    A abordagem sobre os desafios de governança e ambientais é fundamental para o debate. Obrigado pelos ensinamentos e pela leitura agradável.

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