Brasil e EUA: uma parceria estratégica no tabuleiro global

Kristian Carlos Silva Amazonas*

Desde o reconhecimento da Independência do Brasil pelos Estados Unidos, em 1824, as duas maiores democracias do Hemisfério Ocidental mantêm uma relação marcada por pragmatismo, convergência de interesses e afinidades estratégicas. Ao longo de quase dois séculos, Brasil e EUA construíram uma parceria estratégica que combina Diplomacia, Economia, Ciência e Defesa que continua sendo decisiva para o equilíbrio político, econômico e de segurança das Américas. 

Neste artigo, busco destacar a cooperação histórica, os desafios contemporâneos e as oportunidades mútuas em um mundo multipolar.

Um vínculo histórico de confiança

O gesto norte-americano de reconhecer a Independência do Brasil antes mesmo de Portugal foi coerente com a Doutrina Monroe, lançada em 1823, que defendia a autonomia das nações americanas frente às potências europeias. Desde então, as relações bilaterais evoluíram com altos e baixos, mas sempre preservaram uma base de cooperação estratégica e de respeito mútuo.

EUA

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil lutou ao lado dos Aliados, enviando a Força Expedicionária Brasileira à Itália. O gesto consolidou uma parceria militar duradoura, reconfigurada no pós-guerra em torno da segurança hemisférica e da contenção de regimes autoritários, em consonância com os grandes eixos da política ocidental durante a Guerra Fria.

O reconhecimento do Brasil como Aliado Extra-OTAN1 (Major Non-NATO Ally – MNNA), em 2019, coroou uma trajetória de confiança mútua e reforçou o potencial de cooperação em Defesa, Tecnologia e Inteligência Estratégica.

Geopolítica e influência nas Américas

O Brasil ocupa uma posição singular no tabuleiro internacional. É potência regional, guardião da Amazônia e protagonista no Atlântico Sul, uma rota estratégica para fluxos comerciais, energéticos e militares. Para os Estados Unidos, preservar uma relação sólida com o Brasil é essencial para o equilíbrio político do Hemisfério Sul e para conter a influência crescente de potências extra-hemisféricas, como China e Rússia.

Para o Brasil, o vínculo com Washington oferece acesso a tecnologia, investimentos, cooperação militar e influência política global. Essa interdependência, ainda que assimétrica, representa uma oportunidade de fortalecimento mútuo diante das transformações da nova ordem mundial.

A Diplomacia brasileira, historicamente marcada pela busca de autonomia, vê nos Estados Unidos um parceiro capaz de impulsionar seu desenvolvimento e ampliar sua projeção global, desde que o relacionamento se mantenha equilibrado, preservando a liberdade de ação diplomática de Brasília em temas sensíveis.

Economia, Tecnologia e Defesa

Os Estados Unidos estão entre os principais parceiros econômicos e investidores do Brasil, com forte presença em setores estratégicos como energia, agronegócio, aviação, finanças e inovação. O intercâmbio é complementar, o Brasil fornece alimentos, minérios e energia; os EUA oferecem tecnologia, capital e conhecimento.

No Setor Científico-Tecnológico, o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos sobre a participação norte-americana em lançamentos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, é um marco crucial para o Programa Espacial Brasileiro e para a exploração comercial de Alcântara. Assinado em março de 2019 e publicado no Decreto n° 10.220 de 5 fevereiro de 2020, o Acordo permite que o Brasil insira o Centro de Lançamento de Alcântara no mercado internacional de lançamentos de satélites, simboliza, também, o nível de confiança alcançado. Projetos conjuntos com a NASA em rastreamento de satélites e pesquisa espacial reforçam o caráter de alta tecnologia da parceria.

No Setor de Defesa, a designação de Aliado Extra-OTAN abriu espaço para novas cooperações em pesquisa, desenvolvimento e treinamento militar, integrando o Brasil a circuitos de inovação em segurança e defesa de padrão internacional.

Laços Humanos e Culturais

Além da Diplomacia e da Economia, o Setor Psicossocial mostra que o relacionamento entre Brasil e Estados Unidos é sustentado por profundos laços humanos e culturais. A influência norte-americana é perceptível no cotidiano brasileiro, da música ao cinema, da educação à tecnologia.

Por outro lado, cresce o interesse dos norte-americanos pela diversidade cultural e ambiental do Brasil, por sua relevância climática e pelo papel estratégico da Amazônia. Milhares de estudantes brasileiros frequentam universidades nos EUA e o intercâmbio acadêmico e científico tem contribuído para o fortalecimento de pontes afetivas duradouras entre as sociedades.

Essas conexões reforçam não apenas o diálogo entre governos, mas também entre pessoas, um ativo de soft power que amplia a compreensão mútua e sustenta a parceria no longo prazo.

Desafios e Perspectivas

O século XXI é marcado por um mundo polarizado, em que a distribuição do Poder Econômico e Militar se torna cada vez mais difusa. Nesse contexto, Brasil e Estados Unidos precisam adotar uma postura de pragmatismo e cooperação inteligente.

O Brasil busca manter sua autonomia diplomática e seu protagonismo regional, equilibrando relações com os grandes polos de poder, EUA, China e União Europeia, sem comprometer sua soberania. Já para os Estados Unidos, fortalecer o Brasil é estratégico, significa consolidar um parceiro confiável no Sul Global, capaz de contribuir para a estabilidade regional, a segurança alimentar, a transição energética e a governança ambiental.

Num cenário de crescente competição entre grandes potências, a consolidação de uma parceria madura e pragmática entre Brasília e Washington pode se converter em um pilar de estabilidade para todo o continente americano, reafirmando que a força das democracias reside não na ausência de tensões, mas na capacidade de resolvê-las com diálogo, respeito e visão estratégica.

Os acontecimentos de 2025, marcados pela imposição de tarifas norte-americanas de até 50% sobre produtos brasileiros e pela subsequente reaproximação entre os presidentes Lula e Donald Trump, ilustram com clareza a complexidade e a resiliência dessa relação bilateral.

A consolidação dessa parceria requer maturidade política e visão de longo prazo. Trata-se de construir uma agenda conjunta baseada em democracia, inovação, sustentabilidade e prosperidade compartilhada e não apenas em alinhamentos momentâneos de conveniência, uma agenda de Estado que resista às mudanças ideológicas de governos.

Um Eixo Vital no Século XXI

Assim, concluo afirmando que mais do que uma aliança circunstancial, Brasil e Estados Unidos formam hoje um eixo geopolítico essencial para o equilíbrio continental. Em um mundo fragmentado por crises energéticas, disputas tecnológicas e tensões ideológicas, ambos os países têm a oportunidade de reafirmar sua vocação democrática e sua liderança no Hemisfério Ocidental.

Mais do que parceiros comerciais, Brasil e Estados Unidos são atores complementares em um sistema internacional em transformação. O recente episódio tarifário e o subsequente esforço de reconciliação mostram que divergências conjunturais não são suficientes para desarticular um vínculo forjado ao longo de quase dois séculos de história comum. A capacidade de ambos os países em superar impasses e construir agendas positivas, baseadas em comércio justo, inovação tecnológica, defesa cooperativa e sustentabilidade ambiental definirá o futuro da governança hemisférica nas próximas décadas.

O telefonema inicial entre os dois presidentes e o encontro oficial em Kuala Lumpur, em 26 de outubro de 2025, funcionaram como um verdadeiro “reset político”, restabelecendo o diálogo direto e abrindo espaço para negociações técnicas concretas. Embora a retirada das tarifas ainda dependa de trâmites formais e de decisões executivas e legislativas em ambos os países, o gesto sinalizou uma vontade política de reconstruir pontes, reafirmando a importância estratégica da cooperação bilateral em meio às tensões comerciais e ao redesenho das cadeias globais de poder.

A forma como essas tratativas evoluírem servirá de termômetro para medir até que ponto Brasil e Estados Unidos são capazes de transformar crises momentâneas em oportunidades diplomáticas e geopolíticas duradouras.

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*) Coronel de Infantaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Especialista em Política, Estratégia e Alta Administração. Mestre em Operações Militares e Mestre em Ciências Militares. Foi analista do Centro de Inteligência do Exército e Chefe da Seção de Inteligência do Comando Millitar do Planalto (Brasília/DF) e do Comando Militar da Amazônia (Manaus/AM). Atuou como Analista de Inteligência durante a Operação de Pacificação da Favela da Maré (Rio de Janeiro/RJ). Foi Comandante do 28º Batalhão de Infantaria Leve (Campinas/SP) e Subdiretor de Controle de Efetivos e Movimentações (Brasília/DF). Linkedin: https://www.linkedin.com/in/kristian-carlos-silva-amazonas-229558148/

1 Memorando de designação do Brasil como Aliado Extra-OTAN: https://trumpwhitehouse.archives.gov/presidential-actions/memorandum-designation-federative-republic-brazil-major-non-nato-ally/

2 comentários em “Brasil e EUA: uma parceria estratégica no tabuleiro global”

  1. Kristian. Arlos Silva Amazonas

    Prezado Sberni. Muito obrigado por mais essa oportunidade de ter um artigo publicado em seu Site. Você tem sido um parceiro geopolítico genial.

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