O Brasil e a governança do Ártico: oportunidades geoestratégicas

Rodrigo Modesto Frech Diniz*

A análise aprofundada das interações estratégicas e do intercâmbio entre o Brasil e os Estados Árticos1 (EA) oferece subsídios valiosos para o fortalecimento da inserção brasileira no tabuleiro geopolítico internacional.

O Brasil, enquanto ator relevante do Sistema Internacional, não deve permanecer à margem das tratativas e da dinâmica geopolítica que envolvem essa região estratégica. A aproximação e a participação ativa do país nas discussões relativas ao Ártico podem contribuir para o incremento de seu prestígio, ampliar seu reconhecimento internacional e consolidar sua posição como nação comprometida com a governança global e a cooperação multilateral.

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A relevância geoestratégica do Ártico2 reside no papel central que essa região desempenha na atual Agenda Internacional e em sua crescente influência nas relações internacionais contemporâneas. Tal importância decorre de sua localização estratégica para rotas marítimo-comerciais, de seu expressivo potencial para pesquisas científicas, de sua abundância em recursos naturais estratégicos e de sua influência determinante nas dinâmicas climáticas e ambientais globais.

No tocante aos Recursos Naturais Estratégicos (RNE), o Ártico apresenta um potencial econômico de magnitude considerável, em virtude das vastas reservas de petróleo, gás natural e minerais de alto valor geopolítico. As principais jazidas petrolíferas localizam-se nas proximidades da Rússia, Canadá, Noruega e Alasca, enquanto as maiores reservas de gás natural concentram-se no entorno do Mar de Barents, Mar de Kara e Península de Kola.

Quanto aos recursos minerais, observa-se significativa abundância de cobre, ouro, diamantes, níquel, urânio, tungstênio e carvão, dentre outros elementos estratégicos. Esse potencial vem sendo progressivamente exposto e explorado em virtude do degelo acelerado, que facilita o acesso e a extração desses recursos, ainda que à custa de graves implicações ambientais.

A posição geográfica do Ártico confere-lhe, ademais, proeminência estratégica nas rotas comerciais marítimas. Destacam-se, nesse contexto, três principais trajetos: a Rota do Nordeste (ao longo da costa russa), a Rota do Noroeste (próxima ao Canadá e à Groenlândia) e a Rota Transpolar, cuja plena operacionalização é prevista até 2050. O avanço do degelo tem potencial para viabilizar novas passagens marítimas, capazes de reduzir significativamente o tempo e o custo das rotas de navegação globais, diminuindo a dependência de corredores tradicionais, como o Canal de Suez.

O Círculo Polar Ártico também constitui um espaço privilegiado para o desenvolvimento científico. O recuo das geleiras tem revelado ecossistemas antes inacessíveis, ricos em microrganismos e formas de vida com potencial de inovação biotecnológica. Por outro lado, o degelo pode igualmente reativar agentes patogênicos adormecidos, como o Bacillus anthracis (antraz), o que desperta preocupação internacional acerca dos riscos à saúde global e à segurança ambiental.

No campo geopolítico, o Ártico configura-se como uma das regiões mais sensíveis e disputadas do século XXI. O aumento da acessibilidade territorial e marítima, somado à presença de recursos estratégicos e à reconfiguração das rotas comerciais, tem intensificado a competição por influência entre os Estados Árticos (Rússia, Canadá, Estados Unidos, Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia e Islândia) e atores extrarregionais de peso, como China, União Europeia e Índia.

Além do potencial econômico e científico, o Ártico funciona como um verdadeiro “termômetro” das mudanças climáticas globais. O derretimento de suas calotas polares pode desencadear impactos sistêmicos sobre o clima planetário, afetando o nível dos oceanos, as correntes marítimas e a estabilidade ecológica mundial. Nesse sentido, impõe-se a necessidade de uma governança ambiental eficaz e multilateral, baseada na cooperação científica e diplomática entre os Estados Árticos e os países observadores.

Entretanto, a atual estrutura de governança do Ártico mostra-se fragmentada, frágil e pouco eficiente, uma vez que não há um tratado abrangente que regule integralmente a exploração e a proteção da região, a exemplo do Tratado da Antártida (1959). O Conselho do Ártico, principal fórum de diálogo multilateral, carece de instrumentos vinculantes e sofre com as divergências de interesses entre seus membros, especialmente entre a Rússia, os países da OTAN e a China, o que compromete a construção de consensos e ações coordenadas.

Diante desse cenário, é oportuno que a diplomacia brasileira busque aprofundar sua inserção e cooperação com os Estados Árticos, tanto em aspectos científicos quanto estratégicos. O Brasil, embora não possua tradição operacional em ambientes polares, pode e deve investir em intercâmbios de adestramento e cooperação militar voltados à atuação em regiões de frio extremo. Tal preparação é relevante não apenas diante da possibilidade de o Ártico se tornar um futuro teatro de tensões geopolíticas, mas também como meio de capacitação para operações na Antártida, região de interesse geopolítico e científico prioritário para o país.

Nesse sentido, recomenda-se que as Forças Armadas brasileiras incorporem, em seus programas de instrução, exercícios conjuntos e cursos de especialização em ambientes gelados, preferencialmente em parceria com países nórdicos como Noruega, Finlândia e Suécia, com os quais o Brasil já mantém relações diplomáticas consolidadas e convergentes em fóruns multilaterais.

Sob uma perspectiva mais ampla, o Brasil é um ator relevante no Sistema Internacional, que aspira a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Todos os membros permanentes do Conselho participam, de alguma forma, da governança do Ártico: Estados Unidos e Rússia como Estados árticos, e China, França e Reino Unido como observadores. Além disso, Alemanha, Índia e Japão — que, juntamente com o Brasil, compõem o grupo de países que reivindicam reforma no CSNU — também já possuem status de observadores no Conselho do Ártico.

Assim, uma maior participação do Brasil na governança ártica, por meio da obtenção do status de membro observador e do fortalecimento da cooperação científica e militar com os países da região, pode ampliar sua projeção internacional e consolidar sua imagem como potência média comprometida com a governança global.

Por fim, observa-se ainda incipiente influência brasileira nas dinâmicas do Ártico, o que pode impactar negativamente sua capacidade de inserção estratégica e de participação nos fóruns decisórios globais. Permanecer à margem das tratativas sobre o futuro do Círculo Polar Ártico significa abdicar de um espaço de poder crescente, cedendo protagonismo a outros “players” e limitando a projeção geopolítica do país no cenário internacional.

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(*) Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) . Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Estácio de Sá. Pós-Graduado em Operações Militares de Defesa Antiaérea e de Defesa do Litoral pela Escola de Artilharia de Costa e Antiaérea (EsACosAAe) . Mestre em Ciências Militares com Ênfase em Gestão Operacional Atualmente é aluno da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).

1 Saiba mais sobre os Estados Árticos: https://arctic-council.org/

2 A Geopolítica do Ártico : https://www.geopoliticando.com.br/2025/10/31/geopolitica-do-artico/

3 comentários em “O Brasil e a governança do Ártico: oportunidades geoestratégicas”

  1. Pablo Gustavo Cogo Pochmann

    Excelente artigo!
    Negligenciar a importância do Ártico é perder uma excelente oportunidade de se juntar aos grandes jogadores do tabuleiro geopolítico. Assim como nossa base na Antártida, devemos buscar uma maior participação na história do Ártico, para que quando sua exploração for iminente, não sejamos esquecidos.

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