México em ebulição: a crise da Geração Z

Kristian Carlos Silva Amazonas*

Em setembro de 2025, foi publicado aqui no Geopoliticando um artigo de minha auoria intitulado “França e Nepal: Duas crises, uma mensagem”1, no qual analisei duas crises promovidas pela Geração Z, no Nepal e na França, tentado capturar, por meio de minha percepção geopolítica, a sensação de instabilidade que varre o planeta.

Geração Z

Há poucos dias, pudemos verificar que houve outro lugar onde essa “ebulição” foi sentida na pele e se manifestou em uma mensagem visceral de descontentamento, assim como ocorreu no Nepal e na França: esse lugar é o México. A crise recente, marcada pelos protestos da Geração Z, que culminou com 120 feridos na Cidade do México, teve seu pico de mobilização no sábado, dia 15 de novembro de 2025, estendendo-se por todo o fim de semana, quando os protestos tomaram as ruas da capital mexicana.

As manifestações ocorridas no Nepal e na França reforçam a percepção de que o evento ocorrido no México não se trata apenas um evento local. Eles são o espelho do mesmo fenômeno global que descrevi, com motivações destintas e particulares, trata-se de três crises históricas em um único e urgente grito de insatisfação da Geração Z.

As Duas Crises em Território Mexicano

No contexto mexicano, as duas crises em ebulição são claras e interligadas:

  1. A Crise da Violência e do Estado Falido.

O estopim dos protestos foi o assassinato do prefeito de Uruapan, Carlos Manzo. Este crime não é um incidente isolado, mas sim um sintoma devastador de uma crise mais profunda, o domínio territorial e a impunidade dos cartéis de narcotráfico. A insegurança generalizada, o aumento de desaparecimentos e a incapacidade do Estado de garantir a ordem e proteger seus cidadãos criam um vácuo de confiança.

A dimensão da falência estatal se torna evidente ao observar que a violência se estende do político ao cidadão comum. A morte de Manzo somou-se à de Bernardo Bravo, líder dos produtores de limão na mesma região agrícola, assassinado após ter denunciado ser vítima de extorsões. A violência no México não é apenas criminal, ela é estrutural e opera como um imposto informal cobrado pelo crime organizado sobre toda a economia local. É a mensagem de que, se até as autoridades e líderes produtivos são vulneráveis, o Estado de Direito está sob colapso.

  1. A Crise Social e a Frustração Geracional.

A segunda crise reside na quebra do contrato social. A mobilização foi puxada pela Geração Z e ganhou adesão de médicos, famílias de desaparecidos e cidadãos comuns, todos unidos pela percepção de que os problemas acumulados, da falta de medicamentos à corrupção, não serão resolvidos pelas vias tradicionais.

Análises de cientistas políticos definem o movimento da Gen Z, globalmente conhecido como Antissistema, caracterizado pela ausência de lideranças tradicionais e pelo forte viés de rejeição ao status quo. No México, essa atitude é catalisada pela falta de oportunidades de trabalho e pela falta de afetividade social resultante da vida conectada e desconfiada. É a geração que herdou um país rico em cultura, mas devastado pela ineficácia institucional. O avanço contra as barreiras do Palácio Nacional na Praça da Constituição (o Zócalo) é, metaforicamente, um ataque à indiferença do poder.

Uma Mensagem de Fundo Comum: O Clamor por Governança

A mensagem por trás das manifestações mexicanas é a mesma que ressoa em outras crises ao redor do mundo, a exigência por uma redefinição radical da governança e do valor da vida humana.

O clamor popular se uniu em um grito de dor e solidariedade: “Nós somos todos Carlos Manzo”. Este slogan reforça que a vulnerabilidade é generalizada e que a luta pela segurança é, na verdade, uma luta pela dignidade e sobrevivência nacional.

Apesar da clareza do clamor, a presidente Claudia Sheinbaum optou por uma retórica que nega a legitimidade e a espontaneidade da insatisfação. Ela atribuiu os atos a grupos opositores e falou em bots online e manifestantes pagos pela oposição no exterior. Essa tentativa de descredibilizar a mobilização como algo inorgânico reforça a polarização e sublinha a dificuldade do governo em reconhecer a profundidade da crise de segurança que aflige a população:

  • A centralidade da Segurança: a Segurança Pública deixou de ser um tópico técnico e se tornou a pauta central da identidade nacional e da agenda política. É a premissa básica para qualquer outra reivindicação social.
  • O fim da passividade: a Geração Z, no México, está politizando o medo. Diferente de gerações anteriores que poderiam ter se acostumado com a violência crônica, os jovens de hoje a transformam em ação. Eles rejeitam a polarização simplista e demandam soluções concretas para problemas existenciais.

Concluo este artigo, destacando que o México, portanto, não está apenas em ebulição, ele está enviando um alerta. A ascensão de jovens ao ativismo em meio à violência sistêmica prova que a crise global não é apenas sobre economia ou geopolítica. É, fundamentalmente, sobre a falência dos sistemas de proteção e representação e a chegada de uma nova geração que se recusa a herdar o colapso.

O que se viu no México, no Nepal e na França é a manifestação de um mundo onde a paciência se esgotou e a exigência de responsabilidade se tornou o único caminho para a sobrevivência social. É a mensagem universal de que, não importa a bandeira, o povo exige um Estado que priorize a vida sobre a política.

E você? O que pensa sobre as manifestações da Geração Z? Deixe sua opinião nos comentários ou entre em contato com a Equipe Geopoliticando. Opine! Participe! https://www.geopoliticando.com.br/contato/

(*) Coronel de Infantaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Especialista em Política, Estratégia e Alta Administração. Mestre em Operações Militares e Mestre em Ciências Militares. Foi analista do Centro de Inteligência do Exército e Chefe da Seção de Inteligência do Comando Millitar do Planalto (Brasília/DF) e do Comando Militar da Amazônia (Manaus/AM). Atuou como Analista de Inteligência durante a Operação de Pacificação da Favela da Maré (Rio de Janeiro/RJ). Foi Comandante do 28º Batalhão de Infantaria Leve (Campinas/SP) e Subdiretor de Controle de Efetivos e Movimentações (Brasília/DF). Linkedin: https://www.linkedin.com/in/kristian-carlos-silva-amazonas-229558148/

1 França e Nepal: duas crises, uma mensagem : https://www.geopoliticando.com.br/2025/09/21/nepal-franca/

2 comentários em “México em ebulição: a crise da Geração Z”

  1. Kristian Carlos Silva Amazonas

    Amigo Sberni, você e seu site prestam um serviço incrível no campo geopolítico. Agradeço pela gentileza de publicar mais um artigo de minha autoria. Obrigado.

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