A Teoria do Poder Aéreo: de Seversky aos dias atuais

Alessandro Sberni*

A evolução da Teoria do Poder Aéreo acompanha passo a passo os avanços tecnológicos e a evolução da Arte da Guerra que marcaram todo o século XX e continuam ocorrendo nas primeiras décadas do século XXI. Desde as formulações iniciais da utilização de meios aéreos nos conflitos até as concepções mais modernas da guerra em múltiplos domínios, o poder aéreo tornou-se um pilar central da estratégia militar do nosso tempo.

O desenvolvimento constante dos meios aéreos modficou profundamente a maneira como os Estados fazem a guerra, tendo como consequência a modificação da estrutura de seu Poder Militar, na maneira como esses Estados exercem sua projeção de poder em regiões cada vez mais distantes de suas próprias fronteiras e na capacidade de coerção a outros Estados.

Poder Aereo

TEORIA DO PODER AÉREO: ORIGENS

As primeiras reflexões acerca do Poder Aéreo ocorrerem durante a 1ª Guerra Mundial, quando o emprego de aeronaves em ações de combate levou às primeiros pensamentos sobre o tema. Cabe lembrar que inicialmente os aviões tiveram um emprego militar bastante restrito limitando-se basicamente à missões de observação reconhecimento. Nesse contexto, o pioneiro a enxergar o potencial do Poder Aéreo nos conflitos foi o italiano Giulio Douhet, que afirmava que quem controlasse os céus controlaria o resultado da guerra. Seu pensamento enfatizava ainda a importância de “bombardeios estratégicos” maciços contra os centros econômicos e industriais do inimigo, com o objetivo de quebrar a sua resistência.

Nos Estados Unidos, Billy Mitchell reforçava a ideia de que o emprego de aviões representava uma revolução na Arte da Guerra. Uma de suas principais ideias era a criação de uma Força Aérea independente das demais Forças Armadas (Exército e Marinha), dotada de estrutura, doutrina e funções estratégicas próprias. Já na Inglaterra, Hugh Trechard enfatizava a importância fundamental da ofensiva e da pressão contínua sobre o inimigo, onde a aviação teria um papel preponderante. Seu pensamento foi decisivo na consolidação da Royal Air Force, que desempenharia papel central durante a 2ª Guerra Mundial.

SEVERSKY E A VITÓRIA ATRAVÉS DO PODER AÉREO

No período Entre Guerras, as discussões sobre o Poder Aéreo se ampliaram e se consolidaram. No entanto, ganharam um grande impulso com as ideias de Alexandre Seversky consolidadas em sua obra “Vitória Através do Poder Aéreo1“, publicada em 1942. Entre os principais aspectos de seus pensamento, pode-se destacar:

  • O Poder Aéreo como fator dominante: Seversky argumentava que a aviação não se constituia em um elemento de apoio para as Forças Terrestres e para as Forças Navais, mas sim no fator dominante da condução da guerra. Para ele, a evolução tecnológica representada pelos aviões havia deslocado o Centro de Gravidade dos conflitos para os céus, tornando obsoletas as concepções tradicionais de condução dos conflitos militares.
  • A importância do alcance estratégico: uma das bases do pensamento de Seversky era a ênfase no conceito de alcance estratégico, que permitia que a aviação atacasse alvos estratégicos profundos na retaguarda do inimigo sem a necessidade de ocupação territorial, tornando o Poder Aéreo um importante instrumento de coerção.
  • Mobiidade estratégica: de acordo com Seversky os aviões possibilitavam que o Poder Militar adquirisse uma mobilidade estratégica sem precedentes na história da humanidade, permitindo que que os Estados pudessem projetar seu poder de forma rápida e flexível em regiões distantes, outrora inalcançáveis pelos meios militares tradicionais.
  • Independência das Forças Aéreas: seguindo a linha de seus predessessores como Douhet e Mitchell, Seversky defendia enfaticamente a necessidade de que as Forças Aéreas fossem independentes, com a capacidade de possuir estruturas e doutrina própria e de realizar o planejamento e a execução de suas atribuições operacionais.
  • Influência estratégica e política: Seversky também afirmava que o Poder Aéreo conferia ao Estado não apenas uma fortaleza no Campo Militar, mas também no Campo Político. Isso significava que a ampliação da capacidade de projeção de poder proporcionada pelos meios aéreos redefinia o equilíbrio de poder, a dissuação e, em última análise, inclusive a diplomacia.

A obra de Alexander Seversky exerceu impacto direto na formulação estratégica dos Estados Unidos tanto durante a 2ª Guerra Mundial como também durante a Guerra Fria, onde o Poder Aéreo não estava centrado apenas na ofensiva aérea, mas também como um dos eixos estratégicos do poder nacional dos norte-americanos.

A CONSOLIDAÇÃO: 2ª GUERRA MUNDIAL

Durante a 2ª Guerra Mundial ocorreu a consolidação prática das principais ideias referentes ao Poder Aéreo. As campanhas de bombardeios aéreos maciços sobre a Alemanha e o Japão demonstraram a importância dos meios aéreos na condução da campanha militar. A utilização de aeronaves de longo alcance, como os B-17, B-24 e B-29, representaram a materialização das ideias de Douhet e Seversky, ao permitir ataques profundos contra centros industriais, logísticos e urbanos.

Entretanto, o conflito também demonstrou que, ao contrário do que previam Douhet e Mitchell, o Poder Aéreo não era capaz de, sozinho, assegurar uma vitória rápida e sem o protagonismo das Forças Terrestres e das Forças Navais. Por outro lado, verificou-se que atividades de apoio aproximado como a interdição aérea e a execução de tarefas de obtenção de superioridade aérea em locais e prazos definidos eram fundamentais para o sucesso da campanha militar.

Em relação ao pensamento de Seversky, o conflito na região do Pacífico durante a 2ª Guerra Mundial veio a confirmar a tese sobre a importância do alcance estratégico, com o uso em grande escala de de bombardeiros baseados em ilhas e navios aeródromos (porta-aviões), capazes de atingir o território do Japão a partir de grandes distâncias.

A GUERRA FRIA : A MODERNIZAÇÃO DO PODER AÉREO

O mundo que emergiu no pós 2ª Guerra Mundial trouxe consigo uma nova e decisiva váriavel: as armas nucleares. Com elas, o Poder Aéreo tornou-se elemento primordial na estratégia de dissuação nuclear, com os bombardeiros estratégicos de longo alcance constituindo-se em símbolos do Poder Nacional dos Estados nucleares.

Além disso, o desenvolvimento tecnológico criou novas capacidades aéreas e aperfeiçoou radares e sistemas de defesa antiaérea, redefinindo a doutrina do emprego do Poder Aéreo e exigindo a criação de novas táticas e procedimentos por parte das Forças Aéreas. Nesse cenário, destacaram-se aeronaves como o B-52, o F-4 Phantom e os caças MIG soviéticos que simbolizaram a modernização da aviação militar nesse período.

Pode-se ainda acrescentar que durante a Guerra do Vietnã surgiram intensos debates sobre a efetividade do Poder Aéreo nos chamados “conflitos não-convencionais”, bem como sobre a necessidade de integrações e coordenações mais sofisticadas entre as operações aéreas e as operações terrestres, a fim de se obter uma maior sinergia entre as forças singulares e de se evitar o fratricídio.

SÉCULO XXI : OS NOVOS DESAFIOS DO PODER AÉREO

A Guerra do Golfo (1991), nos últimos anos do século XX nos introduziu na era da “precisão” do Poder Aéreo, conforme havia sido previsto por Seversky. Mísseis teleguiados, sistemas avançados de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (ISR, na sigla em inglês), possibilitaram a condução de operações rápidas, com baixo nível de risco para as tropas aliadas e com grande capacidade de neutralização de alvos estratégicos de grande profundidade.

As primeiras décadas do século XXI trouxeram consigo uma nova série de desafios ao Poder Aéreo das Grandes Potências, que certamente provocarão modificações na organização de suas Forças Aéreas e em suas doutrinas de emprego. Entre esses desafios destacam-se:

  • Sistemas de Negação de Acesso (A2) e de Negação de Área (AD): são sistemas de defesa antiáereos destinados a dificultar e a impedir o acesso de aeronaves nas áreas em conflito ou às proximidades de áreas estratégicas. Nesse compo, destacam-se os sistemas A2/AD desenvolvidos pela Rússia e pela China.
  • Sistemas não-tripulados: desde drones de pequeno porte até veículos aéreos não tripulados de grande capacidade, remotamente pilotados. A utilização desses vetores amplia a persistência operacional de Estados com menor capacidade militar (a exemplo do que observamos na Guerra da Ucrânia) e já estão trazendo modificações na doutrina de emprego do Poder Aéreo
  • Integração multidomínio: cada vez mais se fará necessária a utilização de meios aéreos que sejam capazes de não apenas realizar ataques cinéticos aos seus alvos (bombardeios), mas que também possam atuar contra a capacidade de comando e controle do oponenente (guerra eletrônica) e também no ciberespaço, negando ao oponente a utilização dessa dimensão.

Observando os elementos citados, pode-se afirmar que a Teoria Poder Aéreo continua em franca evolução, influenciada quer pelas novas tecnologias que vão emergindo quer pelas novas ameaças que vão se configurando.

CONCLUSÃO

Ao longo do texto pudemos verificar que a Teoria do Poder Aéreo ao longo das décadas foi marcada por várias “ondas” de inovação e renovações doutrinárias. Desde os primeiros empregos nos meios aéreos como instrumento de reconhecimento e vigilância até os dias atuais, marcados pela capacidade de realização de operações estratégicas intercontinentais neutralizando alvos com precisão quase que cirúrgica e da utilização dos meios aéreos em operações multidomínio, percebemos que o Poder Aéreo tornou-se bem mais que apenas um instrumento de guerra, mas também um instrumento da coerção, dissuação e diplomacia de um Estado.

Finalizando, podemos afirmar que o Poder Aéreo é fundamental na era contemporânea. No entanto, ao contrário do que previram os seus primeiros teóricos, ele não é um fim em si mesmo e nem “ganha a guerra sozinho”. Cada vez mais precisa estar integrado a sistemas amplos e complexos e suas operações devidamente coordenadas e interligadas com as demais Forças Singulares (Marinha e Exército), para que o Poder Militar de um Estado atinja a sua capacidade máxima e obtenha êxito em suas campanhas.

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(*) Coronel de Cavalaria e Estado-Maior Veterano do Exército Brasileiro. Graduado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Administrador de Empresas e MBA em Gestão Financeira. Pós-graduado em Geopolítica e Relações Internacionais. Especialista em Bases Geohistóricas para Formulação Estratégica. Especialista em Altos Estudos de Defesa. Especialista em Análise de Inteligência Estratégica pelo Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas. Mestre em Operações Militares. Foi Assesssor-Chefe e analista do Centro de Inteligência do Exército . Foi instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Foi Comandante do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (Quaraí/RS). Linkedin :https://www.linkedin.com/in/alessandro-sberni-92a17aa9/

1 Saiba mais sobre a obra “Viória através do Poder Aéreo : https://www.raf.mod.uk/what-we-do/centre-for-air-and-space-power-studies/aspr/apr-vol11-iss3-review1-pdf/

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