Iêmen: a Guerra Esquecida

O Iêmen é um um país localizado no extremo sudoeste da Península Arábica e possui uma área de aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados (tamanho semelhante ao estado da Bahia). Sua capital é a cidade de Sanaa. Devido a sua localização geográfica, o Iêmen sempre foi um importante entreposto comercial e rota do comércio de especiarias entre o Oriente e o Ocidente. Nos últimos meses, notícias sobre o Iêmen tem frequentado as manchetes dos principais meios de comunicação do mundo, em virtude do envolvimento do país no conflito entre o Estado de Israel e o Hamas.

Nessas manchetes, os assuntos mais comuns são os disparos de mísseis e o lançamento de drones contra o território israelense e o ataque a navios de carga com destino a Israel, desencadeados pelo grupo rebelde Houthi. No entanto, apesar de apenas recentemente o mundo ocidental estar tomando conhecimendo do que se passa no Iêmen, o país vive há mais de uma década em uma guerra fratricida que vem consumindo muitas vidas humanas e destroçando a economia do país. Mas quem são os Houthis ? Pelo que lutam ? O que está ocorrendo no Iêmen ? Que “Guerra Esquecida” pelo Ocidente está sendo travada nos confins da Península Arábica ? Vamos responder a todas essas perguntas ao longo desse artigo. Vamos conhecer mais sobre o tema ?

ORIGENS DO CONFLITO

O atual conflito no Iêmen tem suas origens na Primavera Árabe de 2011, quando os protestos populares levaram à renúncia do presidente Ali Abdullah Saleh, que governou o país por mais de 33 anos. Com a queda de Saleh, o poder foi assumido pelo seu vice-presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi. Durante o seu governo, Hadi enfrentou problemas complexos como corrupção generalizada, economia combalida, altas taxas de desemprego, ataques do grupo terrorista Al-Qaeda e o surgimento de movimentos separatistas no sul do país. Os integrantes do principal grupo rebelde são conhecidos por Houthis, um movimento de resistência de orientação xiita-zaidita.

Em setembro de 2014 os Houthis tomaram a capital do país e em janeiro de 2015 prenderam o presidente Hadi e o colocaram em prisão domiciliar. Posteriormente, Hadi fugiu para a Arábia Saudita, onde solicitou apoio militar internacional para restaurar o seu governo. Nesse contexto, ocorreu a intervenção militar no Iêmen, sob a liderança dos sauditas.

A GUERRA REGIONAL POR PROCURAÇÃO

Devido a sua localização estratégica, controlando o estreito de Bab-Al-Mandeb1, que conecta o Mar Vermelho ao Oceano Índico, o conflito no Iêmen rapidamente se transformou em um palco de lutas entre potências regionais e mesmo entre potências globais, tornando a situação do país cada vez mais complexa e mais distante de uma solução. Diversos atores estão presentes e possuem interesses diversos na Guerra Esquecida no Iêmen, entre quais pode-se destacar :

  • Governo do Presidente Hadi: é reconhecido internacionalmente como o governo legítimo do Iêmen e é apoiado por uma coalização de países liderados pela Arábia Saudita e que também inclui os Emirados Árabes Unidos, o Egito e o Sudão. Essa coalização tem sistematicamente realizado operações de bloqueio naval contra o Iêmen e também realizado ataques aéreos contra alvos dos Houthis.
  • Houthis: trata-se de um grupo rebelde de orientação xiita-zaidita que controla o norte do Iêmen, incluindo a capital, Sanaa. Os Houthis são apoiados pelo Irã, que lhes fornece suporte logístico e apoio militar.
  • Irã: é a maior potência xiita no Oriente Médio. Dessa forma, apoia os também xiitas Houthis, como parte de sua estratégia da expansão da influencia xiita na região e também para desafiar a Arábia Saudita, país de orientação sunita.
  • Arábia Saudita: lidera uma coalização militar contra os Houthis, a quem consideram um grupo terrorista. Sua principal motivação é não permitir o estabelecimento de um governo xiita na Península Arábica, bem como impedir o aumento da influência do Irã na região.
  • Emirados Árabes Unidos (EAU): além de fazer parte da coalização liderada pela Arábia Saudita contra os Houthis, os EAU também apóiam o o Conselho de Transição do Sul, uma milícia contrária aos Houthis que busca autonomia ou mesmo independência para a região sul do Iêmen.
  • Conselho de Transição do Sul: trata-se de um grupo separatista criado em 2017 que busca a independência da região sul do Iêmen. O Conselho de Transição do Sul controla áreas importantes do território iemenita, como partes da região do Aden.
  • Al-Qaeda e Estado Islâmico: ambos os grupos atuam como atores da jihad islâmica procurando dominar regiões onde existe vácuo de poder, principalmente no leste e no sul do Iêmen. Suas ações se dão tanto contra forças do governo como contra forças dos rebeledes Houthi.
  • Potências Ocidentais (EUA, Inglaterra e França): fornecem apoio militar e logístico para a coalização liderada pelos sauditas, além de realizarem ataques aéreos pontuais contra instalações da Al-Qaeda e, mais recentemente, contra alvos dos rebeldes Houthis.
  • Israel: apesar de não estar diretamente envolvido no conflito no Iêmen, recentemente Israel tem realizado ataques contra os Houthis, em resposta aos lançamentos de mísseis e drones armados contra seu território.

A GUERRA ESQUECIDA

Apesar de ser um conflito pouco noticiado pela mídia mundial, mais interessada na cobertura do conflito entre a Rússia e a Ucrânia e entre Israel e o grupo terrorista Hamas, o conflito no Iêmen, também chamado de “Guerra Esquecida”, tem apresentado como resultado uma imensa tragédia humanitária. Estima-se que 80% da população do país esteja enfrentando restrições alimentares severas e que o nível de desnutrição infantil esteja atingindo índices alarmantes. Além disso, o conflito destruiu praticamente toda a infraestrutura de saúde do país, havendo uma grande escassez de medicamentos e de acesso à procedimentos hospitalares básicos. O Iêmen enfrenta um dos maiores surtos de cólera do mundo, com mais de 3 milhões de casos notificados e dezenas de milhares de mortos pela doença, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde.

O conflito prolongado também tem forçado o deslocamento de milhões de pessoas que buscam fugir das áreas onde os combates apresentam-se mais intensos. Essas pessoas, invariavelmente, buscam refúgio em acampamentos organizados pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). No entanto, as retrições de segurança, o bloqueio humanitário e a falta de recursos tem contribuido para que os refugiados vivam em condições bastante precárias. O bloqueio imposto pela coalização liderada pela Arábia Saudita impede a entrada de alimentos, combustíveis e ajuda humanitária tornando a crise ainda mais severa.

IMPACTOS GEOPOLÍTICOS

O conflito no Iêmen, longe de ser apenas uma Guerra Civil em um dos países mais pobres do mundo, traz em seu bojo importantes consequências geopolíticas para a região do Oriente Médio. A mais evidente dessas consequências é a disputa geopolítica entre o Irã e a Arábia Saudita pela hegemonia regional. Ambas as potências tem feito do Iêmen um campo de batalha indireto para as suas diferenças políticas, ideológicas e religiosas.

O aumento do número de ataques realizados pelos Houthis a navios petroleiros e navios mercantes no Mar Vermelho e no Estreito de Bal-al-Mandeb, em uma das principais rotas do comércio mundial, tem preocupado as potências ocidentais, levando alguns países como os Estados Unidos e a Inglaterra a deslocar meios de seu Poder Naval para protejer a navegação. A instabilidade em um “choke point” (ponto de estrangulamento) tão relevante contribui pra a instabilidade do preço do barril de petróleo no mercado mundial, afetando, dessa forma, a economia global.

Por fim, o vácuo de poder em algumas regiões do Iêmen gerado pelo conflito prolongado, tem permitido que grupos terroristas estabeleçam bases na Península Arábica, em uma região considerada estratégica pela sua localização geográfica. Estima-se que, depois de consolidadas, essas bases terroristas possam ser utilizadas para o desencadeamento de ações terroristas em diversas partes do mundo.

A PAZ DISTANTE E A URGÊNCIA POR UMA SOLUÇÃO

Apesar dos esforços diplomáticos (como as negociações de Estocolmo em 2018 e a trégua mediada pela ONU em 2022), a busca por uma solução definitiva está longe de ser alcançada. A multiplicidade dos atores e dos interesses envolvidos no conflito tornam um eventual acordo de paz bastante complexo. Em 2024 a China mediou conversações entre o Irã e a Arábia Saudita sobre o tema do Iêmen, o que pode se constituir em um embrião de uma futura negociação do fim do conflito. No entanto, os combates continuam e a população do país permanece em situação dramática.

A Guerra Esquecida travada no Iêmen, embora distante dos holofotes da grande imprensa internacional, continua a destruir a já precária infraestrutura do país e a dizimar milhares de vidas. Esse conflito também nos mostra como interesses geopolíticos e rivalidades regionais podem transformar uma disputa política interna em uma trajédia de proporções catastróficas, ainda que estejamos vivendo em pleno século XXI.

E qual a sua opinião sobre o conflito no Iêmen ? Deixe as suas impressões nos comentários ! Participe ! Sua participação é muito importante para cada vez mais aprimorarmos o Geopoliticando. Se você tem alguma sugestão de tema, por favor, entre em contato conosco !

Até breve !

    1. https://www.geopoliticando.com.br/2025/05/31/choke-points/ ↩︎

    1 comentário em “Iêmen: a Guerra Esquecida”

    1. KRISTIAN CARLOS SILVA AMAZONAS

      Parabéns pelo artigo, Sberni!
      Li seu texto sobre o Iêmen e achei ele extremamente esclarecedor e bem estruturado.
      Você conseguiu desmistificar um conflito tão complexo, trazendo à tona as origens, os atores envolvidos e as terríveis consequências humanitárias de uma maneira muito didática.
      É fundamental que mais pessoas compreendam a “Guerra Esquecida” no Iêmen e você fez um excelente trabalho ao destacar a gravidade da situação e os impactos geopolíticos que ela acarreta.
      A forma como você abordou a intervenção regional e a atuação dos diferentes grupos, como os Houthis e o Conselho de Transição do Sul, é muito mostrou sua perspicácia e tino de análise.
      Mais uma vez, meus parabéns por um artigo tão relevante e informativo. É um texto que realmente faz a diferença na compreensão de um tema tão crucial nas relações geopolíticas do Oriente Médio.

      Fraterno Abraço!

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